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martes, 15 de agosto de 2023

CARTA PASTORAL DE Mons. ANTONIO DE CASTRO MAYER SOBRE LOS CURSILLOS

Es un documento sumamente extenso, pero que conviene presentarlo en su totalidad.
    
CARTA PASTORAL SOBRE LOS CURSILLOS DE CRISTIANDAD
 
D. Antonio de Castro Mayer,
por gracia de Dios y de la Santa Sede Apostólica, Obispo Diocesano de Campos,
 
Al Rvmo. Clero Secular y Regular, a las Rvdas. Religiosas, a la Venerable Orden Tercera de Nuestra Señora del Monte Carmelo, a las Asociaciones de piedad y apostolado, y a los fieles en general de la Diócesis de Campos.
 
Saludo, paz y bendición en Nuestro Señor Jesucristo.
  
CARÍSIMOS COOPERADORES Y AMADOS HIJOS.
  
1. DE ALGÚN TIEMPO a esta fecha, han habido frecuentes manifestaciones de perplejidad y desasosiego, por parte de numerosos fieles de Nuestra Diócesis, a propósito de un Movimiento nuevo de apostolado, que se viene difundiendo en los medios católicos brasileños. Presentando una espiritualidad en muchos puntos diferente de la tradicional, recurriendo a métodos de formación que se dicen inspirados en las modernas ciencias psicológicas, suscitando conversiones inesperadas, aunque marcadas por un halo de singularidad, este Movimiento ha despertado extrañeza en muchas de Nuestras ovejas.
  
Concomitantemente, en conversaciones con sacerdotes y laicos, y también por medio de correspondencia, hemos recibido pedidos instantes de orientación sobre el asunto.
  
Nos referimos, amados hijos, a los llamados “CURSILLOS DE CRISTIANDAD”.

Observaciones preliminares
2. Frecuentemente se afirma que las actividades de los Cursillos de Cristiandad están envueltas en cierto sigilo. No obstante, hay documentación escrita al respecto, aunque oficial, que ayuda a formar un concepto sobre este nuevo sistema de apostolado.
  
Las publicaciones de los Cursillos son muy variadas. Algunas son fáciles de entender, y contienen afirmaciones inocuas o hasta dignas de aplauso. Otras parecen claras para el lector poco versado en asuntos de teología y moral; pero para el perito en tales campos de la cultura, presentan, por detrás de una exposición aparentemente accesible y sobre cualquier objeción, algunos implícitos y matices que piden un análisis más cuidadoso y circunstanciado.
 
Todo lleva a creer que la misma desorientación se observa en los propios triduos cursillistas [1], ya que cada cursillo es el reflejo natural de las publicaciones en que sus dirigentes se hayan inspirado. Así, nada más normal de lo que la existencia de los cursillos a que nada se pueda objetar, al lado de otros que inspiran preocupación, y de otros finalmente que son simplemente censurables.
 
Es necesario declarar, después del inicio, que esta Carta Pastoral no busca hacer a todo y cualquier cursillo los mismos reparos, ni mucho menos, atingir a todos los cursillistas, entre los cuales ciertamente hay personas de noble intención.
  
Entretanto, el Movimiento no puede ser visto como un conjunto de cursillos inarticulados entre sí. Al contrario, él constituyó una vasta red, dentro de la cual naturalmente se establece un intercambio intenso, e esse intercâmbio dá azo a que se difundam, por toda a rede, tanto os escritos e atitudes que não merecem censura, quanto os que a merecem. Tal situação é nociva, especialmente para as pessoas inadvertidas e de boa fé que assistam a um cursilho e que, levadas pela confiança fundada no que viram de bom, se tornem propensas a não analisar, com a devida cautela, o que de censurável possa haver no Movimento. Dentre essas pessoas, muitas ficam expostas a serem apanhadas desprevenidas .por um contágio ideológico que elas saberiam discernir e repelir, se viesse de outras fontes.

Visto assim, no conjunto de seus traços bons e maus, o Movimento de Cursilhos de Cristandade inspira preocupação, quer quanto aos seus aspectos maus, quer quanto ao que há de precário em seus aspectos bons. Tanto mais, quanto esses aspectos maus não têm, como ponto de origem, apenas más influências regionais, mas publicações oficiais e de peso, emanadas em grande parte do próprio centro mundial de Cursilhos. O fato de estas procederem, pelo menos em larga parte, da Espanha (2), mostra que o problema cursilhista não se situa apenas na fronde, mas na raiz da árvore, afetando pois o todo enquanto todo. Esta é a razão pela qual, reconhecendo embora, e com prazer, o valor positivo de muitos elementos que há em Cursilhos, pareceu-Nos necessário apontar esta mescla de bem e mal que neles existe. Pois a mistura de bem e mal, quando procede da raiz, é de molde a comprometer os frutos produzidos pela árvore toda.

Eis porque, amados filhos, achamos oportuno apresentar-vos algumas observações a respeito desse novo Movimento católico, que, esperamos, vos sejam úteis.

Nossas observações consideram primeiramente o que é tido como essencial na doutrina de Cursilhos. Ponderamos, depois, a aplicação dessa doutrina no campo moral. E, enfim, analisamos a tendência esquerdizante manifestada em certos círculos cursilhistas no que tange a questões de ordem política, econômica e social.

Parte 1: BASE DOCTRINARIA DE LOS CURSILLOS

La meta del Movimiento
3. REGISTREMOS, ANTES de tudo, amados filhos, a intenção explícita dos fautores de Cursilhos de Cristandade. Ela pode ver-se, sobretudo, na famosa Carta Pastoral "Los Cursillos de Cristiandad, instrumento de renovación cristiana", do Exmo. Revmo. D. João Hervás, Bispo castrense espanhol, considerado o grande promotor de Cursilhos. Expõe D. Hervás nessa Pastoral, extensamente, as várias correntes teológicas suspeitas que surgiram ao longo dos séculos na Igreja, e procura mostrar como Cursilhos se distinguem de todas elas. Analisa os inventos da psicologia moderna, amplamente utilizados pelo método por ele preconizado. Insiste D. Hervás em que se apoiou sempre em autores ortodoxos.

Cursilhos pretendem, pois, ser um método de formação e apostolado moderno, não porém modernista. O que almejam é impedir a fratura entre a vida e a Fé cristã, que, segundo Pio XII, atormenta o homem moderno (D. Hervás, o. c., p. 113). Desejam portanto Cursilhos adaptar o ensino tradicional às novas condições em que vive o homem hoje, para facilitar-lhe a adesão a Jesus Cristo.

Como se vê, nada há que censurar na meta que Cursilhos se propõem.

El triduo cursillista
4. Para melhor se entenderem outras observações que iremos fazer, indiquemos aqui a ordenação do tríduo cursilhista. Inicia-se ele com um retiro espiritual, que se estende da noite de chegada até a Missa da manhã seguinte. Tem por finalidade este retiro espiritual, "despertar a consciência moral do cursilhista e fazer-lhe sentir o desejo de se pôr na graça de Deus" (D. Hervás, "Manual de Dirigentes", p. 87). Feita a preparação no retiro espiritual, passa-se à formação cursilhista, propriamente dita. Esta se realiza, sobretudo, mediante conferências, chamadas rolhos, que se distribuem pelos três dias, cinco em cada dia, mais a meditação da manhã, e, no último dia, o ato de clausura.

É interessante saber porque as conferências dos cursilhos se denominam rolhos. Ao explicá-lo, D. Hervás, tanto na sua citada Carta Pastoral, quanto no "Manual de Dirigentes", indica o ambiente próprio dos cursilhos, que se fazem numa orientação horizontal, igualitária. Diz D. Hervás, na sua Pastoral, que as lições "terminaram chamando-se, com oportunidade e humor juvenil, "rolhos", para dar a entender que se foge à gravidade de conferências acadêmicas e que não se quer adotar o tom de cátedra" (p. 56). E, no "Manual de Dirigentes": "Deu-se, em Cursilhos, tradicionalmente, o nome de "rolho" às intervenções didáticas dos professores, com o fim de impregnar o ambiente de um tom de confiança, naturalidade, camaradagem, desportiva e adaptação aos assistentes. Com isso, além de outros pormenores pedagógicos, intenta-se encurtar distâncias entre docentes e discentes; evita-se a desagradável impressão que produz em alguns a gravidade de uma conferência, sobretudo por tratar-se de leigos, às vezes de categoria social igual ou inferior à dos ouvintes" (p. 219 ) .

Expresiones ortodoxas
5. De acordo com a intenção explícita dos fautores de Cursilhos, não faltam nas conferências, ou rolhos, do tríduo cursilhista, numerosas passagens conformes ao ensinamento tradicional da Igreja. Por exemplo, no rolho "Graça habitual" (3), que é "o fundamento de todos os demais" ("Manual de Dirigentes", p. 107),

- declara-se que a Graça é "a comunhão permanente que, por Cristo, Deus estabelece gratuitamente entre Ele e o homem, porque o ama, e que cria em nós uma vida nova" (p. 24);

- salienta-se que a Graça é "um dom sobrenatural", que "o homem não pode exigi-la de Deus, não pode reclamá-la como se fosse algo devido à natureza" (p. 25 e outros lugares);

- afirma-se que pela Graça Deus chama "todos os homens à filiação divina" e os faz "filhos de Deus" (pp. 29, 40), "amigos de Deus" (p. 30), realizando "em nós uma nova criação, ainda mais grandiosa do que a primeira" (p. 30);

- ensina-se que a Graça nos dá "uma vida nova" (p. 24), nos faz "participantes da natureza divina" (p. 45), dá-nos o gozo da presença amiga de Deus em todos os momentos da vida (p. 32);

- diz-se que a Graça dá à alma a santidade fundamental (pp. 35-36) e nos incorpora a Jesus Cristo, que nos torna seus irmãos, como filhos de Deus, e cuja vida devemos reproduzir em nós (pp. 37 ss.);

- declara-se nossa condição de templos do Espírito Santo (p. 44), e a posse de Deus na bem-aventurança eterna (p. 42).

Pontos de doutrina como estes, que se encontram nos rolhos, são, fundamentalmente, ortodoxos e de molde a dar uma formação sólida ao fiel que sobre eles medite e os transponha para sua vida prática.

Os outros rolhos se reportam a este fundamental. Têm, mesmo, observa D. Hervás no "Manual de Dirigentes" (p. 107), muitas afirmações que se tornariam inexplicáveis sem o fundamento que lhes dá o rolho sobre a Graça habitual. Como neste último, nos demais rolhos existem também numerosos pontos de doutrina ortodoxos (4).

Expresiones que causan perplejidad
6. Sem embargo, cumpre-Nos observar que várias expressões do rolho "Graça habitual" nos causam perplexidade e nos infundem o temor de que Cursilhos venham a prejudicar, com efeitos nocivos nas obras de apostolado, uma formação católica sem jaça.

Assim, o rolho (do Secretariado Nacional da Espanha, como dissemos à nota 1) apresenta a esmola como algo humilhante (p. 30), para salientar a bondade de Deus, que não nos dá a Graça como esmola, mas nos eleva a um plano de igualdade com Ele (5).

Em primeiro lugar, não é conforme ao espírito cristão, considerar a esmola como algo, em si, humilhante (6).

Em segundo lugar, não corresponde à realidade dizer que a elevação que Deus nos concede, mediante a Graça, não esteja no gênero da esmola. Pois a Graça é totalmente gratuita, em nada devida à natureza — como a esmola, de si, é algo que não é devido, ao menos àquele determinado pobre.

Além disso, também a elevação do homem, pela Graça, não o coloca em plano de igualdade — empregada a palavra sem qualquer matiz — com Deus. O homem será sempre filho adotivo. Por mais profunda que seja a transformação que a Graça opera na natureza, jamais lhe concede uma essência divina que dele faça, substancialmente, um filho de Deus. Por isso, toda a confiança e mesmo intimidade que temos com o Pai Celeste não deve levar-nos a esquecer a distância infinita que medeia entre Ele e nós. De maneira que tememos seja deformante, para a alma do fiel, propor-lhe que dê a Deus um tratamento de igual para igual, como se aventa no rolho. Somos filhos de Deus, nEle depositamos toda nossa confiança, a Ele votamos nosso amor e Lhe fazemos todas as nossas confidências, persuadidos de que Ele é o Senhor, bondoso e infinitamente misericordioso, mas digno sempre de que Lhe tributemos toda honra e toda glória.

Censuras a prácticas consagradas por la Iglesia
7. Sin presentar los nombres, de hecho el rollo sobre la Gracia habitual hace una censura a San Simeón Estilita, que pasó buena parte de su vida sobre una columna, y a San Luis de Gonzaga, singularmente alabado por el gran recato al mirar (7). Y concluye el tema, diciendo que "es posible que haya habido santos que eran sujetos extraños; sin embargo, fueron santos A PESAR DE SER EXTRAÑOS" (destacado en versalita es nuestro). A frase censura, portanto, o que vê como extravagância de certos Santos. São, no entanto, Santos que a Igreja propõe à admiração dos fiéis, inclusive no que o rolho qualifica de extravagância.

E não é este o único lugar em que Cursilhos se referem com menosprezo a costumes piedosos aplaudidos pela Igreja. No rolho "Obstáculos à vida da Graça" (p. 26), ridicularizam-se "os penitentes medievais que se flagelavam e torturavam continuamente". E uma "Via Sacra", publicação oficial de Cursilhos no Brasil (edição do Secretariado Nacional, São Paulo, 1969), mofa das mulheres que "contam inúmeros minutos do dia nas contas do Rosário, mas completam depois a reza com uma ladainha de maledicências da vida do próximo" (8.a estação, p. 18). Isso, dito assim, sem a menor ressalva das senhoras verdadeiramente piedosas, insinua no espírito do leitor uma generalização que Nos parece censurável.

8. Ainda no rolho "Graça habitual", encontramos (p. 42) uma condenação daqueles fiéis que se desinteressam totalmente do mundo, para cuidar apenas das realidades sobrenaturais (8). Semelhante julgamento, que atinge por exemplo os eremitas do deserto — cristãos que fugiam ao mundo, para só cuidar das realidades sobrenaturais — incute-Nos, amados filhos, temor de que Cursilhos não dêem do mundo uma visão ascética verdadeira. Tal temor corrobora o receio que, como dissemos, Nos infunde a sua maneira de se reportarem a exercícios de piedade tradicionais e excelentes no afervoramento dos fiéis.

É curioso notar que D. Hervás, na introdução ao "Manual de Dirigentes" (p. 44), censura aqueles que, levados por um entusiasmo faccioso, estabelecem comparações injustas entre Cursilhos e outros métodos de espiritualidade, como os Exercícios de Santo Inácio. Declara ele que tais "comparações são sempre odiosas, e ninguém tem o direito de suscitar questões inúteis que podem lesar a justiça, a caridade ou a mais elementar prudência", pois se trata de "métodos distintos", que por vias legítimas "buscam a glória de Deus e a santificação das almas". — No entanto, como vemos, os autores do rolho "Graça habitual" não seguiram tal conselho, pois estabeleceram, entre Cursilhos e a espiritualidade eremítica, comparações "odiosas", que "lesam a justiça, a caridade e a mais elementar prudência", não sem prejuízo da formação dada aos cursilhistas.

Extraño Humanismo
9. Talvez levado pelo desejo de aproveitar as achegas da psicologia moderna, toda voltada para o homem, o rolho "Graça habitual", de modo geral, é também concebido em função do homem. A Graça é apresentada como aquilo que conduz o homem à felicidade e à plenitude. "Em Cristo e no Cristianismo pode o homem encontrar a plenitude, saciar seus anelos inesgotáveis de encontrar a paz" (p. 19).

Tal perspectiva é mais patente no texto que vamos citar, que nos deixa sumamente perplexos quanto à formação católica proporcionada em Cursilhos: Diz o rolho, à p. 24: "Há um momento no evangelho em que Cristo proclama abertamente porque veio ao mundo, nos descobre um segredo muito importante, o segredo de Deus: Porque Este se fez homem, porque deixou seu esplendor para tomar a forma de servo e misturar-se conosco, como um de nós? Cristo nô-lo diz claramente, e isso é muito importante: é essencial que nos inteiremos do motivo que trouxe a Cristo aqui. Diz ele: "eu vim para que tenham vida e a tenham abundantemente". Só PARA ISSO: para que tenhamos vida, para que gozemos com esta vida nova que é a Graça. Para isso veio Cristo, PARA NADA MAIS" (o destaque em versalete é nosso).

Sem prejulgar as intenções, notemos que a encenação com que se introduz a declaração do grande segredo de Deus, a ênfase com que se inculca que Jesús vino al mundo solo para dar al hombre una vida más abundante, con las dos expresiones que destacamos –SOLO PARA ESTO, y PARA NADA MÁS– tienden a crear en los oyentes la persuación de que Dios encarnado, Jesucristo, está exclusivamente al servicio del hombre, de su perfección, de su plenitud.

10. Não há dúvida de que Jesus Cristo veio para nos remir, para nos dar, de novo, a vida que perdêramos com o pecado. Santo Tomás diz até que o Filho de Deus não Se teria encarnado, se não houvesse antes a culpa original (S. T. 3, q. 1, a. 3). Podemos, por isso, legitimamente dizer que o motivo da Encarnação do Verbo foi a Redenção do gênero humano. Não, porém, de maneira a excluir a meta última dos atos do Divino Salvador. Na realidade, ao vir ao mundo, tinha Jesus Cristo diante de Si, em primeiro lugar, a glória do Padre Eterno. E, com sua paixão e morte, Jesus, antes de mais nada, dá a Deus Altíssimo reparação condigna pelos direitos divinos lesados com os pecados dos homens. Volta-Se, primeiro, para Deus, embora no mesmo ato, com plena intenção e amor, redima misericordiosamente os homens. É assim que a Sagrada Escritura nos apresenta a vinda de Jesus ao mundo. De fato, declara o Espírito Santo que todos os sacrifícios da Antiga Lei eram incapazes de satisfazer à Justiça divina. Deus os rejeita. Vem então seu eleito para fazer a sua Vontade (S1. 39, 7-9). Esse eleito de Deus é Jesus Cristo, como ensina São Paulo (Heb. 10, 9). Eis que o primeiro motivo da Encarnação é oferecer ao Altíssimo uma vítima proporcionada à Divindade. Como decorrência do ato do Divino Salvador — decorrência intencionada, que justifica o que rezamos no Credo da Missa, "por nós e nossa salvação, desceu dos Céus" — auferem os homens a possibilidade de eles também apresentarem a Deus uma adoração condigna, e de chegarem, em conseqüência, ao prêmio da vida eterna.

Semelhante verdade é fundamental na formação católica. Não pode ficar entre os pressupostos, e muito menos pode ser excluída, como no texto do rolho que citamos. O homem foi feito para Deus, para sua glória. Seu primeiro dever é buscar a glória de Deus, o Reino de Deus, mediante a obediência à santíssima vontade de Deus, como pedimos no Padre Nosso: "seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu".

Tais verdades, amados filhos, devem ser inculcadas com insistência ainda maior, numa época de secularização, como a nossa, em que se enaltece, acima do justo, a dignidade humana.

11. É legítimo que Cursilhos procurem dar uma formação católica a partir de especulações sobre o homem. Entretanto, tal formação precisa fixar em Deus o polo de referência na apreciação do bem, da perfeição, do valor de qualquer ser ou pessoa. São as relações com Deus que criam, no homem, os deveres religiosos, a necessidade da adoração, e a vassalagem ao Senhor de todas as cousas. São tais relações que determinam o procedimento moral, o reconhecimento do Supremo Legislador, a cuja vontade deve o homem ajustar todos os seus atos. Uma formação católica não pode deixar de destacar todas estas verdades, em cuja aceitação amorosa consiste a perfeição do homem. É o que não vemos, de modo claro e inequívoco, no conjunto das publicações de Cursilhos (9).
 
Concepción teilhardista del mundo
12. Causam-Nos também perplexidades, amados filhos, as considerações que o rolho "Graça habitual" (trata-se sempre da edição espanhola de 1968) faz acerca dos desígnios de Deus a respeito do mundo terreno em que vivemos.

É certo que Deus Nosso Senhor nos colocou neste mundo para que nele vivêssemos. É certo que, para nele vivermos, devemos providenciar os bens que tornem possível uma vida consentânea com nossa natureza, constituída de alma e corpo. Em outras palavras, é natural que o homem crie uma cultura, uma civilização. Não obstante, o mundo será sempre um meio, será sempre uma moradia passageira, como diz São Paulo: "non habemus hic manentem civitatem" (Heb. 13, 14). O homem foi feito para o Céu, a moradia futura, que está na meta de nossos desejos (cf. São Paulo, ib.), e que esperamos alcançar com o auxílio da Graça divina. Daí a expressão de Nosso Senhor Jesus Cristo: "que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?" (Mat. 16, 26), ou estoutra: "quem ama a sua alma, perde-a", quem a odeia neste mundo a salva (Jo. 12, 25). A Igreja sintetizou a doutrina revelada, na frase que lemos na oração do terceiro domingo depois de Pentecostes: "sic transeamus per bona temporalia, ut non amittamus aeterna" — "passemos pelos bens temporais de maneira a não perder os eternos". Em outras palavras, o mundo, com todos os seus bens, toda a sua cultura, desenvolvimento e plenitude, não é o fim do homem. Digamos, é um fim intermediário, que deve subordinar-se ao fim último. Por isso, a Igreja canoniza também os Santos que fugiram do mundo para levar vida eremítica ou para enclausurar-se em mosteiros contemplativos.

O rolho "Graça habitual" parece ter outra concepção do mundo, e insinuar uma ascética diferente da ascética tradicional (10).

13. Com efeito, o rolho, muito louvavelmente, exalta a excelência da Graça e da vida de união com Deus, entidades sobrenatu rais. Surge, então, logicamente, a dificuldade: "então, não nos interessa este mundo?" (p. 42). Na resposta, o rolho, primeiro censura os Santos que fugiram do mundo levados por "uma religiosidade desencarnada, angelista, na qual só contam as realidades sobrenaturais" (11). Tal maneira de proceder, diz o rolho, não se conforma com o "pensamento de Deus" (cf. nota 8 do tópico número 8).

14. Depois, quando o rolho passa para a parte positiva, la expresión no clara, no es clara, y se expone a una interpretación teilhardista, según la cual el designio de Dios se volvería para el maximo desarrollo de las energías del mundo, en beneficio de la dignidad humana, de la unión fraterna y de la libertad. Leiamos:

"A Graça e o anseio de alcançar nossa herança definitiva não fazem de nós uns misantropos alheados da vida, nem uns orgulhosos desprezadores da atividade humana. Muito pelo contrário. Sabemos que a Graça é algo que se encarna em nós, é uma realidade que, longe de falsificar ou reduzir nossa humanidade, faz de nós homens vivos, nos faz plenamente homens. Esta amizade viva com Deus é o que nos possibilita nosso compromisso com o mundo, porque nos dá a autêntica liberdade. Nada de quanto é humano nos é estranho. Mais ainda: amamos este mundo, porque é obra de Deus nosso Pai, que deseja que o homem o aperfeiçoe, o enobreça, o humanize. Sabemos que toda atividade humana tem um fim muito claro: aperfeiçoar o homem, desenvolver quanto há nele de abertura à verdade, ao bem, ao amor, libertá-lo de todas as opressões de tipo físico, moral, político, social, espiritual, que impedem um verdadeiro exercício da liberdade. É Cristo quem nos associa à sua missão de redimir plenamente o homem, ao dar-nos consciência de nossa plena e sobrenatural solidariedade com todos os homens. Trabalhando para o bem da humanidade, transformando o mundo até conseguir o máximo desenvolvimento de suas energias, voltando nossos esforços em favor de "a dignidade humana, a união fraterna e a liberdade", sabemos, como diz o Concílio, que estamos "preparando o material do reino dos céus" e levando a cabo "o desígnio de Deus" (p. 43).

Dizemos que a exposição não é clara. E, de fato, parece insinuar que a redenção de Cristo tem por fim "dar-nos consciência de nossa plena e sobrenatural solidariedade com todos os homens" e, como meta última, atender à dignidade humana, obter a união fraterna e a liberdade. Enfim, ao propor a relação do fiel com o mundo, em vista de seu destino eterno, o rolho não usa de expressões que afastem toda ambigüidade.

Dizemos que a exposição se presta a uma interpretação teilhardista. De fato, o reino dos céus, como se propõe no texto, dá a impressão de ser o termo feliz das transformações do mundo, mediante o aproveitamento de todas as suas energias em favor da dignidade, da união fraterna e da liberdade. Cursilhos, nessa passagem, parecem conceber a boa ordenação temporal, não como um fator propício à salvação das almas, mas como um elemento integrante da Redenção e do Reino dos Céus. Não cremos que semelhante concepção se oponha à de Teilhard de Chardin, cuja teoria coloca, no termo da evolução do mundo, a Jesus Cristo, como síntese de perfeição que absorve todo o universo (12).

15. Observemos, outrossim, que, apesar do Monitumn da Santa Sé (13) que torna manifesto o caráter suspeito de suas obras, Teilhard de Chardin es un autor de muy buena acogida en los medios cursillistas, sea para fundamentar opiniones (14), sea para servir a la formación doctrinária de los miembros del Movimiento (15). No mesmo sentido, o Beneditino D. Jerônimo de Sá Cavalcante, no "Jornal da Bahia", de 25 de agosto de 1970, à p. 5, atesta que "um grupo de cursilhistas do Rio de Janeiro está se reunindo semanalmente [...] a fim de estudar a obra do grande cientista e pensador francês, o jesuíta Teilhard de Chardin".

A aproximação do teilhardismo é mais uma razão dos temores que temos com relação à obra de Cursilhos.

16. Uma última observação, amados filhos, sobre esse tópico. Ele justificaria a "inserção" do Clero na ação política para fins revolucionários. Pois, obrigação imprescindível do Clero é colaborar na obra redentora de Jesus Cristo. Se esta inclui, fundamentalmente, um empenho de todos os esforços no sentido de "transformar o mundo até conseguir o máximo desenvolvimento de suas energias", e de "libertar o homem de todas as opressões de tipo [...] político, social", etc., não se poderia negar ao Clero o direito e mesmo o dever de "engajar-se" na ação política para fins revolucionários. Daí para a "teologia da violência" e para o terrorismo, seria um passo (16).

Fe vivencial en oposición a la Fe intelectual
17. Segundo o "Manual de Dirigentes", de D. João Hervás, Cursilhos estão na linha do kérigma (17), isto é, do anúncio jubiloso da salvação (p. 99, em nota). Por isso, são os rolhos "intencionalmente incompletos, sob o ponto de vista da exposição doutrinal" (p. 100, em nota), uma vez que o kérigma anuncia o acontecimento da salvação, sem explicá-lo, e destina-se à conversão ("Temas do II Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos de Cursilhos de Cristandade do Brasil", Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, 1970, p. 47).

A maneira, amados filhos, como as publicações cursilhistas, das mais autorizadas, concebem o kérigma, e o opõem à fé intelectual, que aceita as verdades reveladas porque Deus as revelou, só faz aumentar nossas apreensões. Colocando lado a lado o que o I Concílio do Vaticano ensina sobre a fé, início da salvação, e a fé vivencial preconizada por Cursilhos, percebereis, amados filhos, que o ensinamento deste Movimento dificilmente se ajusta ao que o Magistério da Igreja definiu.

De fato, a fé, que é o início da salvação, o I Concílio do Vaticano, na sua Sessão 3, cap. 3, definiu-a como sendo uma virtude sobrenatural que opera na ordem do conhecimento, porquanto, por ela, aderimos à verdade por Deus revelada, movidos pela autoridade de Deus, e não pela evidência. Declarou mais o Concílio que, como a fé é um obséquio racional, ao lado da Graça interna, providenciou Deus os sinais externos, acomodados à inteligência humana, para que o homem soubesse que realmente Deus revelou tais e tais verdades. Por fim, condenou aqueles que afirmam que a fé é uma adesão cega, ou baseada só na experiência interna.

Qualquer conversão, pois, qualquer adesão à Igreja, não se faz sem um conhecimento intelectual que aceita uma verdade.

18. Teriam Cursilhos levado na devida conta a definição do I Concílio do Vaticano? Não nos parece.

En efecto, más de lo que sobre el papel del conocimiento intelectual de la Revelación, insisten ellos sobre la “vivencia”, o sea, la experiencia, el contacto vivo, la atracción entusiasta, como medio de convertir las almas a Jesucristo. É o que se pode ver em documento oficial de Cursilhos de Cristandade, como é o opúsculo "Temas do II Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos de Cursilhos de Cristandade do Brasil" (que designaremos pela sigla "II EB"), editado pelo Secretariado Nacional do Brasil. Tal opúsculo declara que a conversão só se faz mediante aquela vivência. Em outras palavras. Primeiro é o homem conquistado pelo entusiasmo que lhe causa a figura de Jesus Cristo. Nisto está a conversão. Depois, e somente depois, na fase catequética, passa o convertido a estudar a Revelação do Divino Salvador. E esta ordem é tão necessária que, quando "se queimam as etapas", topamos com homens catequizados, porém sem conversão interior.

Semejante manera de entender la conversión, por lo menos minimaliza el papel de la inteligencia, olvidando la enseñanza del Concilio Vaticano I, citado arriba. Pela sua importância, vamos transcrever aqui a página 5 do "II EB". Constitui ela como que o pórtico do opúsculo, quase a dizer ao leitor o que são Cursilhos de Cristandade:

"SOBRE A FÉ. O Evangelho nos mostra o cego de Jericó a pedir: "que eu veja, Senhor". E a fé é uma visão nova da vida.

Exigência fundamental é a fé; sem ela o sobrenatural é impossível; a fé é a porta, o início...

Nem todos sabem o que é a fé, porque muitos a colocam simplesmente no aspecto de "visão intelectual das coisas de Deus". Ela é mais do que isso: é adesão a Alguém, a Cristo.

Quanto ao Movimento que ora nos reúne, devemos dizer que na fé há duas etapas: a fé de conversão (Quérigma) e a fé de conhecimento (Catequese).

O quérigma anuncia um acontecimento, é vivencial; mostra-nos o Cristo, aproxima-O de nós e isto nos encanta e... nos converte a Ele.

Tanto o quérigma como o Cursilho procuram gerar a FÉ PRIMEIRA, A CONVERSÃO. A CATEQUESE É UMA SEGUNDA ETAPA, que desenvolve as implicações do fundamental cristão.

Na prática, acontece que muitas e muitas vezes, há muita gente "catequizada" (ou que se julga tal) e que não foi ainda convertida. Exemplo: o moço rico do evangelho. De outro lado há os convertidos sem catequização e... como Dimas "roubaram o céu...

Ao quérigma sucederá a catequese; e no seu devido tempo virá a "homilética", ou seja: o ensino normal dentro da comunidade (Carlos Mantica, p. 3).

Na prática, QUEIMAM-SE ETAPAS E ASSIM TEMOS HOMENS CATEQUIZADOS (e catequizadores) SEM A CONVERSÃO INTERIOR, de plena adesão a Cristo.

Devemos concluir, portanto, que a função do Cursilho é essencialmente querigmática e não catequética e que não se pode exigir do Movimento de Cursilhos aquilo que é além de sua função específica. Principalmente nós, padres, reclamamos o que o Movimento não é chamado a dar e lhe atribuímos falhas que não são do Movimento.

É por isso que nos rolhos, mais que doutrina, damos testemunhos, vivência" (o destaque em versalete é nosso).

A página acima reassume idéias do opúsculo de Carlos Mantica, dirigente de Cursilhos de Cristandade da Nicarágua, "Inserção do Movimento de Cursilhos na Pastoral de Conjunto e Conversão e Cursilhos" (edição do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, 1970). É lícito, pois, que a esclareçamos com uma frase desse autor, tomada ao citado opúsculo, onde se acha à p. 2: "O Kérigma é uma EXPERIÊNCIA AFETIVA, "SENTE-SE" que se anuncia a verdade, APESAR DE QUE NÃO SAIBAMOS EXPLICAR O SEU PORQUÊ. A catequese é intelectiva e explica essa verdade" (destaque nosso) (18).

Quisemos, amados filhos, citar na íntegra esta página do "II EB" — na qual sublinhamos os passos mais significativos da concepção que Cursilhos têm de fé e conversão — pelo grande auxílio que presta na avaliação da mentalidade que o Movimento cursilhista cria nos que lhe são fiéis. Por ela se vê que Cursilhos procuram a conversão, mediante uma via predominantemente alógica, que chamam de "vivência".

Exaltación de la sensibilidad
19. Nossa apreensão aumenta, amados filhos, pelo fato de que a minimalização do papel da inteligência, na conversão do indivíduo, vem acompanhada de muita ênfase dada ao fator emotivo (19).

Digamos, desde logo, que esta não foi a pedagogia de Nosso Senhor Jesus Cristo, como no-la transmitiu a Tradição da Igreja e consta do Magistério eclesiástico. Com efeito, a Igreja temeu sempre pelas conversões sem base sólida em princípios firmemente aceitos pela inteligência, que pudessem dar firmeza à vontade no combate às paixões desordenadas e na seqüela do Divino Mestre.

Jerarquía de las facultades humanas
20. Não quer isso dizer que a Igreja Se contentou ou Se contenta com a mera aceitação intelectual das verdades reveladas. Não.

Ela quer a fé, que opera pela caridade, como diz São Paulo (Gál. 5, 6). Em outros termos: Ela quer que o fiel viva de acordo com a sua fé, tenha, nesse sentido, uma fé viva. O fundamento, porém, dessa fé, na qual se firma a adesão viva a Jesus Cristo, é a aceitação, pela inteligência, da Revelação, e, em primeiro lugar, do fato de que Jesus Cristo é deveras o Filho de Deus feito homem, cujos ensinamentos devem ser acatados, como condição preliminar para agradar a Deus e salvar a alma, porquanto sem esta fé "é impossível agradar a Deus" (Heb. 11, 6; Vaticano I, s. 3, c. 3).

21. Também não quer dizer que a Igreja despreze a parte sensível da natureza humana. Ela não a despreza. Pelo contrário, ama-a com o amor com que Jesus Cristo a amou ao assumir nossa natureza. Quer, porém, que ela conserve seu lugar na hierarquia dos elementos que compõem a natureza humana, isto é, a serviço das convicções firmadas nas verdades reveladas. Poderá ela assim auxiliar o apostolado; do contrário, tomando a frente, suas construções comparam-se às casas edificadas sobre areia, das quais diz a Escritura que não resistem aos vendavais. Imaginemos um fiel entusiasmado com sua Graça, que de repente é submetido a uma prova de aridez espiritual. Se toda a sua formação teve por base a alegria e o entusiasmo, resistirá ele à prova?

22. Diz D. Hervás, no "Manual de Dirigentes", que a finalidade de Cursilhos é selecionar os melhores em cada ambiente, para que "uma vez bem cultivados, elevem e transformem a massa, sendo fermento de Cristandade" (p. 27). Que fruto podemos esperar de uma elite capaz de causar grandes emoções, mas desprovida dos meios que poderiam dar um valor positivo a essas emoções?

Cursillos y lavado de cerebro
23. A importância que Cursilhos dão às emoções e impressões levou muitos a aproximarem o tríduo cursilhista de uma lavagem de cérebro (cf. D. João Hervás, "Interrogantes y Problemas sobre Cursillos de Cristiandad", Euramerica, Madrid, 1968, 3.a edição, p. 361; "Alavanca", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, n.° 65, p. 5; n.° 66, p. 9; Alberto Bonet, artigo "Formación apostólica — Un cursilio de cristiandad", em "Ecclesia", Madrid, 25 de setembro de 1954; Pe. Paulo Cañelles, em "O Estado de São Paulo", 27 de maio de 1972; John H. DeTar e Thomas M. Manion, "Cursillo - To Deceive the Elect!", Athanasius Press, Reno, Nevada, 1969; Garry Wills, "Brainwashing... for Gods sake?", em "The National Catholic Reporter", 17 de fevereiro de 1965).

Que algum fundamento tenha semelhante acusação, pode-se deduzir de uma observação sobre o "Manual de Dirigentes", que lemos no artigo "A história do Movimento de Cursilhos no Brasil", publicado em "Alavanca" (n.° 62, dezembro de 1971, pp. 10-14). Descrevendo certos "erros iniciais" do Movimento no Brasil, fundado em 1962, a revista escreve:

"Quanto ao Cursilho propriamente dito (três dias), ocorriam os erros comuns de absolutização do Manual de Dirigentes, tolhendo-se as iniciativas, prendendo-se mais à letra do que ao espírito de cada peça do Movimento [...].

Porém, o "impacto" premeditado, a coação e o uso de técnicas que abertamente atingiam ou condicionavam a liberdade do homem, conflitavam com a nossa visão de uma liberdade responsável" (p. 11).

Duas páginas adiante, o mesmo artigo de "Alavanca" sobre a história de Cursilhos no Brasil, referindo-se agora ao ano de 1968, diz: "Já combatíamos os impactos emocionais artificiais" (p. 13).

Sem afirmar que Cursilhos adotem o método de lavagem de cérebro empregado pelo comunismo soviético ou chinês, ou, outrora, pelo nazismo, observamos contudo que D. Hervás, em "Interrogantes y Problemas sobre Cursillos de Cristiandad", ao procurar responder a essa objeção, no cap. 28, de fato nada contesta. Introduz o seu arrazoado, dizendo que não sabe "exatamente em que consiste uma lavagem de cérebro", e a seguir afirma que "dizer que os Cursilhos de Cristandade são uma lavagem de cérebro é pronunciar com seriedade uma verdadeira tolice" (p. 366). — Não cremos que semelhante maneira de enfrentar o problema possa convencer a alguém.

Logo após, D. Hervás observa que "os que tomam parte em um Cursilho não vão forçados, mas de modo inteiramente voluntário, e voluntariamente permanecem nele"; que evidentemente "não há nada de drogas"; que a alimentação é boa; que "não há coação moral alguma a violentar a personalidade dos assistentes"; que são excluídas as pessoas influenciáveis e de personalidade débil; que há, isto sim, um ambiente favorável e adequado, destinado, como os Exercícios Espirituais de Santo Inácio, não a diminuir mas a aumentar e robustecer as personalidades (p. 367).

Tais ponderações — algumas das quais exigiriam provas — mostram, no máximo, que Cursilhos não empregam métodos violentos de lavagem cerebral. Mas elas nem sequer consideram a possibilidade de uma lavagem cerebral feita através de métodos mais subtis, suaves e disfarçados. Ora, é exatamente disto que Cursilhos têm sido acusados. Gostaríamos de ver D. Hervás demonstrar que Cursilhos de fato não empregam uma via alógica para mudar as convicções dos cursilhistas. É este o problema que está em causa. "Lavagem de cérebro" é uma noção muito ampla. Se por lavagem de cérebro se entende um processo de mudar as convicções de uma pessoa predominantemente pela manipulação de uma sensibilidade superexcitada, não se pode negar que há um elemento fundamental muito importante, comum à lavagem de cérebro e ao método de Cursilhos.

El Pos-cursillo
24. Os autores e documentos cursilhistas dão grande atenção ao Pós-cursilho, o qual visa assegurar a perseverança daqueles que fizeram o tríduo (20). Consideram-no a parte ou etapa mais importante do Movimento.

Assim, o livro "Ideario", publicado pelo Secretariado Nacional da Espanha (revisto por Francisco Suárez e Clemente Sánchez, Euramerica, Madrid, 1972), afirma que Cursilhos se centram "primeira e principalmente [...] em abrir largas possibilidades de amizade com Cristo, ou, dito de outro modo, em realizar o Pós-cursilho" (p. 139). De modo que "o Pós-cursilho deve ser sempre, e cada vez mais, o centro de atenção e o núcleo de interesse de toda a obra de Cursilhos" (id., p. 143). D. Hervás diz também que é precisamente com o Pós-cursilho que "começa a parte principal" ("Los Cursillos de Cristiandad, instrumento de renovación cristiana", p. 35).

Nesta Pastoral, entretanto, dispensamo-Nos de apresentar um estudo mais circunstanciado das estruturas e métodos do Pós-cursilho, e isso porque ele não tem uma orientação doutrinária própria, distinta da do Movimento em geral.

Para dar uma rápida noção da orientação do Pós-cursilho, citamos a seguir alguns textos que ressaltam o papel nele desempenhado pela "vivencia" — em relação à qual, como já dissemos, temos sérias reservas.

a) "AFIRMAMOS O CARÁTER VIVENCIAL DAS ULTREYAS, sem que isto signifique subestimar seu valor formativo" (21) (conclusão do I Encontro Latino-Americano de Delegados. Nacionais do Movimento, Bogotá, 1968, citada por Clemente Sánchez e Francisco Suárez, "Cursillos de Cristiandad Abiertos al Futuro", edição do Secretariado Nacional da Espanha, Euramerica, Madrid, 1971, p. 452 — o destaque em versalete nosso).

b) O Encontro de Bogotá confirmou "a doutrina tradicional, ratificada em anteriores convivências (22). Parte de uma afirmação fundamental, que é a que se contém nesta conclusão: a Ultreya deve conservar seu caráter vivencial. REALMENTE, UMA LONGA EXPERIÊNCIA ENSINA QUE A ULTREYA DE TIPO VIVENCIAL É A QUE MAIS SE ACOMODA À MANEIRA DE SER DO HOMEM MODERNO" (Clemente Sánchez e Francisco Suárez, "Cursillos...", pp. 521-522 destaque nosso).

c) "Compartilhar em escala de Igreja as vivências cristãs [é o] fim próprio da Ultreya [...]". (id., p. 660).

d) "[...] um verdadeiro Pós-cursilho exige a presença de diferentes pessoas: É SEMPRE UMA VIVÊNCIA COMUNITÁRIA" ("Ideario", revisto por Francisco Suárez e Clemente Sánchez, P. 147 — destaque nosso).

e) "Na Reunião de Grupo deve encontrar o cursilhista a vivência da comunhão cristã a que foi chamado" (acordo do II Encontro Latino-Americano de Cursilhos de Cristandade, Tlaxcala, 1970, citado por C. Sánchez e F. Suárez em "Cursillos .", p. 635).

f) [...] cremos que a dinâmica comunitária da Reunião de Grupo e da Ultreya (ressalvadas as diferenças) permite a possível participação de cristãos que não tenham feito um cursilho, MAS QUE COMPARTILHAM A VIVÊNCIA DO CRISTIANISMO e seu compromisso sobre a base da amizade" (declaração do II Encontro Mundial de Cursilhos de Cristandade, Tlaxcala, 1970, citada por C. Sánchez e F. Suárez em "Cursillos...", p. 551 — destaque nosso).

g) "Os elementos do Pós-cursilho devem levar a: — RENOVAR A VIVÊNCIA E A CONVIVÊNCIA DO FUNDAMENTAL CRISTÃO [...]" ("Documento de Itaici" em "Alavanca", n.° 67, p. 30 — destaque nosso).

Parte II: LOS CURSILLOS EN EL CAMPO MORAL

Extenuação dos efeitos do pecado original
25. Talvez a perspectiva excessivamente otimista em que veem o mundo, tenha levado Cursilhos a uma minimalização do pecado. É o que se conclui do exame do rolho sobre o assunto, que se intitula "Obstáculos à vida da Graça" (23). Assim, logo no começo, estabelece o rolho a finalidade da conferência: "É preciso incutir no ânimo dos Cursilhistas, SEM PESSIMISMO [destaque nosso], a realidade das dificuldades que poderão encontrar, para que as conheçam, dando-lhes, além disso, os meios práticos de superá-las" (p. 3). — Como se pode notar, não se trata de salientar o pecado para odiá-lo; mas, apenas, de incutir no ânimo dos cursilhistas a noção das eventuais (o texto diz "poderão encontrar") "dificuldades", ou seja, das tentações que possivelmente terão que vencer.

Se perguntarmos: quais são essas dificuldades? verificaremos que la respuesta dada por el rollo causa la misma impresión, esto es, de que hay temor de presentar el pecado en su hediondez. O texto recomenda, de fato, que "não se deve descer aos problemas concretos". — Mas, perguntamos, como orientar católicos, no mundo de hoje, sem lhes falar dos problemas concretos com que terão eles que se haver na vida? — No entanto, o texto cala precisamente aquelas ocasiões nas quais habitualmente é o homem solicitado a pecar. Pois deseja que não se fale em "diversiones, bailes, relaciones, matrimonio, etc.". Cabe decir: ¿qué sobra? Hallamos, por tanto, a los Cursillos muy deficientes en este punto, que es fundamental para formar en el fiel una mentalidad verdaderamente católica.

O mesmo rolho tenta desculpar-se, dizendo que "não se deve pretender dar um curso de ascética cristã, que os ouvintes não estão em condições de assimilar" (p. 4).

Não nos parece válida a escusa. Se ela justifica a atitude de Cursilhos, de não se alongarem numa exposição que só se compreenderia num curso de ascética, absolutamente não os absolve. Com efeito, a desculpa pressupõe que numa formação católica inicial não se deve, por sistema, destacar energicamente, a malícia do pecado, a qual o torna, sob todos os pontos de vista, detestável. Tal maneira de conceber o Cristianismo é contrária à Tradição e à própria pregação do Divino Mestre, que habitualmente procurava a conversão dos pecadores acenando-lhes com os castigos eternos, consequência natural do pecado. Cursilhos parecem esquecer que no ódio ao pecado está o amor de Deus.

A atitude de Cursilhos é tanto menos compreensível, quanto a intenção explícita que lhes dão seus promotores, é selecionar uma elite que, bem formada, levede a massa dos fiéis (cf. D. Hervás, "Manual de Dirigentes", p. 27). Não vemos como se possa formar bem, se já no começo se evita de tratar de um ponto básico de qualquer mentalidade católica.

Enfim, uma última observação quanto a este ponto. No rolho sobre a Graça habitual, recomenda-se que não se entre "na parte negativa, ou seja, o pecado, que tem seu lugar mais adiante" (p. 5). E agora, ao tratar do pecado, declara-se que o objetivo é "dar uma visão da Graça [...] que seja realmente uma visão da Graça" (p. 3). Em tudo se nota um temor de mostrar o pecado como ele é na realidade. Semelhante temor, embora não negue taxativamente a natureza do pecado, extenua-lhe a malícia, com sério prejuízo para as almas (24).

Cursilhos e mortificação voluntária
26. A Redenção de Jesus Cristo libertou-nos do pecado, destruiu o império do demônio, porém não nos restituiu o estado de inocência anterior à queda de nossos primeiros pais. De maneira que, para conservar a Graça e a amizade com Deus, ainda temos que lutar contra os assomos da concupiscência, a lei dos membros, na expressão de São Paulo, que se rebela contra a lei do Espírito, a Lei de Deus. Nesta luta, somos robustecidos pela mortificação, não somente por aquela que é imposta pelos deveres de estado, mas também por aquela que é assumida, livremente, com a finalidade especial de fortificar a vontade contra os ímpetos malsãos de nossa parte inferior. Em qualquer curso de espiritualidade, de orientação católica, há o capítulo da mortificação, no qual se fala da penitência que nós nos impomos a nós mesmos com vistas a dominar nossas paixões.

27) Cursilhos falam também de mortificação. Primeiro, para censurar os penitentes medievais, como já vimos. Depois, para reduzir a mortificação ao cumprimento dos próprios deveres (rolho "Obstáculos à vida da Graça", pp. 26-27). O exemplo de São Paulo, "castigo o meu corpo [...] não venha eu mesmo a ser reprovado" (1 Cor. 9, 27), é alheio a esse texto.

A orientação do rolho citado aparece em outras publicações cursilhistas. Assim, "Alavanca" estigmatiza como fruto do maniqueísmo, atitudes altamente edificantes da ascética tradicional. O Evangelho retamente entendido — assim "Alavanca" —"altera profundamente certas perspectivas maniquéias da religião do sofrimento, de pequenas penitências, de pequenas mortificações [...]. O Evangelho não é a cultura da dor ou sofrimento. A palavra de Deus proclama a aceitação dos sofrimentos irremediáveis. Mas, somente quando não há outra solução [...]. Penitência não significa procurar o sofrimento ou fazer mortificações" (n.° 55, abril de 1971, p. 12).

Notemos que na mesma revista, n.° 58, há uma nota em, que se fala da necessidade pessoal do sacrifício para "maior crescimento espiritual e mais enérgico domínio das paixões" (p. 18). — Compreendeis no entanto, amados filhos, que referências como essa (25) não são suficientes para tranquilizar o espírito em face de uma doutrina ensinada ex professo, como a do artigo citado. Aliás, contradições em que se mesclam ensinamentos ortodoxos e doutrinas espúrias prejudicam substancialmente a formação.

28) Está na mesma direção a alegria aberta, despreocupada, que se fomenta em Cursilhos (26). É o que transparece da norma dada por D. Hervás, no "Manual de Dirigentes", para a manhã do primeiro dia, em que se encerra o pequeno retiro espiritual. Assim, depois da noite e manhã consagradas à reflexão sobre a vida pecaminosa e sobre a misericórdia de Deus e a necessidade do perdão, já na mesma manhã em que termina o retiro, cria-se um ambiente pouco propício ao estudo e à metodização dos meios necessários para corrigir os maus hábitos contraídos anteriormente. Instala-se, logo após a Missa, um clima de alegria, de gozo, de camaradagem, que vai até a libertação da tendência inferior do homem, nas piadas equívocas, quando não nos ditos abertamente obscenos. O mesmo ambiente de brincadeiras deverá estabelecer-se em outras ocasiões ao longo dos três dias, sobretudo às refeições.

29) É este, amados filhos, um ponto sombrio de Cursilhos. No Capítulo dos chistes, na manhã do primeiro dia, adverte o "Manual" que "os dirigentes. devem estar dispostos a intervir, para desviar ou cortar qualquer inconveniência que surgir" (p. 256).

Só esta recomendação basta para indicar o ambiente pouco sério após as meditações relativas à emenda de vida. Testemunhos de cursilhistas mostram como a vigilância dos dirigentes, nesta matéria, tem sido pouco eficiente. A mesma conclusão nos leva o aviso publicado em "De Colores", revista oficial do Secretariado de Cursilhos de Belo Horizonte. No número de março de 1970, à página 4, a revista, sob o título "Palavrões, não!", cita circular do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil, que recomenda se "insista" junto à Escola de Dirigentes para que sejam abolidos "definitivamente" os "palavrões", os quais, diz a circular, "nunca fizeram parte do método de Cursilho" (27). - Observemos que se censuram apenas os "palavrões". Nada se diz das piadas ambíguas, picantes, maliciosas, equívocas, enfim das mil maneiras que tem a sensualidade de se infiltrar e tomar conta das almas. Notemos que há livros apontados pela moral católica como nocivos, precisamente pela maneira subtil com que destilam a sensualidade nos corações. O Secretariado Nacional de Cursilhos censura os palavrões. Deixa, pois, perceber que até lá se tem chegado em tríduos cursilhistas. E, pela mesma razão, têm abundado piadas carregadamente sensuais, sem, contudo, o emprego de termos de baixo calão. Destas piadas, nada diz a revista. A nota, no entanto, mais os testemunhos de cursilhistas, são suficientes para nos indicar o estilo de alegria de Cursilhos, que nos parece absolutamente contra-indicado e pernicioso num movimento católico. Porquanto, estamos bem longe da recomendação que fazia São Paulo aos fiéis de Éfeso, para se portarem como verdadeiros cristãos: "nem se nomeie entre vós a fornicação, ou qualquer impureza, como convém a santos; nem palavras torpes, nem loucas, nem chocarrices que são cousas inconvenientes" (5, 3-4).

Igualitarismo na Igreja
30) É, outrossim, amados filhos, motivo de apreensão a concepção que Cursilhos têm da Igreja, "como povo de Deus", na expressão do Vaticano II.

É o rolho "Os leigos na igreja", do Secretariado Nacional da Espanha, que expõe mais detalhadamente o assunto. Nele se encontram expressões inteiramente ortodoxas, que pressionam a obrigação de se dedicar ao apostolado, que incumbe a todo fiel, de modo particular no ambiente que frequenta. Ao lado dessas expressões, entretanto, há outras que parecem desconhecer o ensinamento tradicional, reassumido por São Pio X na Encíclica "Vehementer", de 11 de fevereiro de 1906. Diz o Santo Pontífice que "a Escritura nos ensina e a tradição dos Padres no-lo confirma, que a Igreja é o Corpo místico de Cristo, Corpo regido por PASTORES e DOUTORES (Ef. 4, 11 ss.) [...]. Daí resulta que essa Igreja é, por essência, uma sociedade DESIGUAL, que abrange duas categorias de pessoas, os Pastores e o rebanho [...], de maneira que no corpo pastoral residem o direito ,e a autoridade necessários para promover e dirigir todos os membros ao fim da sociedade" (AAS, 39, pp. 8-9).

31) Cursilhos, ao exporem o papel dos leigos na Igreja, falam diversamente. O rolho sobre os leigos, às páginas 40 ss., tem uma reminiscência da doutrina tradicional. Em outros tópicos deste rolho, porém, e em outros documentos cursilhistas, há uma tendência, sempre mais acentuada, a conceber a Igreja como um todo cujos membros se distinguem por funções e não propriamente por dignidade. De onde, uma inclinação a igualar, em dignidade, todos os membros da Igreja. Assim, ao fixar as obrigações dos Sacerdotes e dos leigos, a expressão é tal que evita salientar o estado superior que na Igreja pertence ao Clero.

Essa é a impressão que causam vários textos do rolho "Os leigos na Igreja". Assim, à página 6 concede-se aos leigos a missão, de si sacerdotal, de dar vida, esperança, amor, verdade e espírito ao mundo. À página 17 salienta-se que todos, Sacerdotes e leigos, são igreja, sendo que a estes últimos corresponde, "por especial desígnio de Deus, dar a vida espiritual a este mundo, infundir-lhe alma, dar-lhe fé [...] e o espírito de Cristo". À página 26 insiste-se em que o papel do leigo não é "puramente subalterno" com relação ao do Clero, porquanto "ambos devem procurar e querer a mesma cousa: dar glória ao Padre, salvando os irmãos, cada um, porém, deve buscá-lo de seu lado", sendo um "varão perfeito dentro de sua profissão". À página 35 se aplica promiscuamente, a Sacerdotes y laicos, el otorgamiento de la misión apostólica hecha por Jesucristo y que consta en el texto de San Mateo: "id, pues, y haced discípulos" (28, 19), quando a Tradição o entende aplicado aos Apóstolos e seus sucessores. Todas estas expressões são, talvez, passíveis de uma interpretação ortodoxa. Não deixam, porém, de indicar uma tendência a conceber a Igreja num sentido horizontal.

Semelhante tendência é mais saliente em trabalhos apresentados no II Encontro Mundial de Delegados Nacionais de Cursilhos, realizado em Tlaxcala, México, em maio de 1970, e que o Secretariado Nacional do Brasil traduziu e divulgou para que "os responsáveis pelo Movimento [...] possam encontrar aqui palavras e ideias que os façam crescer no entusiasmo e na entrega pelo Movimento" (capa interna). Pois no caderno referente aos trabalhos do terceiro dia encontramos, na relação do Peru, expressões como estas, que denunciam uma orientação niveladora na concepção da Igreja: "A Hierarquia não condena Os fiéis à condição de inferioridade" (p. 12), porquanto, na ação salvífica, "toda a Igreja, como Povo de Deus, fica comprometida como um todo orgânico" (p. 14), realizando pois "obra verdadeiramente comum, como comum é a missão da Igreja" ("Encontro Mundial de Delegados Nacionais de Cursilhos de Cristandade, Temas do 3.° Dia", edição do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, São Paulo, 1970, p. 15) (28).

32) Na ordem prática, Cursilhos levam o igualitarismo mais longe. Assim, logo na manhã do primeiro dia, dá o "Manual de Dirigentes" como norma que à mesa não haja presidência, e todos, inclusive os Padres, se mesclem indistintamente (p. 222) (29). Fomenta-se, além disso, um ambiente de camaradagem, por meio de chistes, anedotas, etc., sendo que se recomenda aos Sacerdotes que na medida do possível animem a camaradagem, participando da sessão de piadas (p. 285). No mesmo sentido, concorre para acentuar a tendência niveladora, confiar tarefas modestas, como as de cozinha, limpeza, etc., a pessoas categorizadas na sociedade, por exemplo, oficiais do Exército, médicos, engenheiros, etc., não excluídos os Sacerdotes (30).

Jesus Cristo, nosso "Chefão"
33) Mas nada inculca tanto a ideia de igualdade total, como o modo de cursilhistas se dirigirem a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Sendo o Divino Salvador nosso amigo e nosso irmão, pela Graça que nos eleva à dignidade de filhos adotivos de Deus, e tendo Ele mostrado seu amor para conosco, especialmente na instituição da Santíssima Eucaristia, devemos externar-Lhe os sentimentos condizentes com as novas relações que sua infinita misericórdia criou entre nós e Ele. Nada disso exige que esqueçamos o respeito e suma veneração devidos à sua Pessoa adorável. Julgam, entretanto, Cursilhos que a expressão daqueles sentimentos pede se dispense a Nosso Senhor o tratamento dado habitualmente a um capataz de uma empresa qualquer. Assim, em Cursilhos do Brasil, aprende-se a chamar a Jesus Cristo de "Chefão": "As visitas ao Santíssimo, sendo vivenciais e improvisadas, ajudam à comunhão entre os cursilhistas, unem os corações, fomentam a autêntica amizade. E tudo isso baseado numa fonte, numa causa: o Cristo, nosso "Chefão", nosso irmão mais velho, nosso grande amigo e companheiro" ("Temas do II Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos de Cursilhos de Cristandade do Brasil", p. 55).

O termo "Chefão" não encerra propriamente amor e confiança. Diz apenas uma camaradagem de pessoas que se sentem no mesmo nível, graças, quiçá, a alguma parceria em manobras desonestas (31).

34) Muito diversamente apresentam Jesus Cristo as Sagradas Escrituras. No Apocalipse, a glória e a realeza do Verbo de Deus, que morreu por nós, se manifesta tão excelsa que, ao vê-la, São João caiu como morto (1, 13 e 17). Não menor é a majestade do Cordeiro descrita no cap. 5, diante da qual se prostram os anciãos e O adoram.

Sublinhemos, outrossim, a preocupação do mesmo Divino Mestre no sentido de que seus discípulos tivessem ideia exata nesta matéria. Na última Ceia, precisamente quando Se dignou, para nosso exemplo, lavar os pés de seus Apóstolos, sublinhou Jesus Cristo o tratamento correto que Lhe é devido. Após o Lava-pés, para evitar uma conclusão errônea, que seus discípulos poderiam tirar de seu ato, disse o Salvador: "Vós Me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque Eu o sou" (Jo. 13, 13). E os Apóstolos não precisaram esquecer a excelsa dignidade de seu Mestre e Senhor, para nEle depositar toda a confiança, e para dar-Lhe mostras supremas de amor, sacrificando a própria vida por Ele.

Que os superiores saibam servir até em ofícios humildes, está bem. Isso não se faça, todavia, por princípio ou em ambiente destrutivo da hierarquia que há, na Igreja e na sociedade, por disposição divina.
     
Parte III: LOS CURSILLOS Y LA SUBVERSIÓN

Contra las actuales estructuras
35 Cursilhos, de si, são um movimento de caráter religioso. Pretendem ser um instrumento de renovação cristã, especialmente depois do Concílio Vaticano. O que não impede, talvez mesmo explique, que proponham também normas para a renovação da sociedade civil. Com efeito, o convite lhes vem do mesmo Concílio Vaticano II, cuja Constituição sobre "a Igreja no mundo atual" traça orientações relativas às condições político-econômico-sociais.

Mais. Em Cursilhos, a julgar por publicações oficiais, mesmo exercícios religiosos se fazem dentro da perspectiva dos deveres sociais. Por exemplo. A "Via-Sacra" editada pelo Secretariado Nacional do Brasil (São Paulo, 1969), solicita a compaixão dos fiéis, menos para os padecimentos de Jesus Cristo, do que para as vítimas dos problemas contemporâneos, reais ou imaginárias. Nela, Jesus Se identifica com o mal remunerado, com o desempregado, com o tuberculoso, com o que dorme ao relento, com o que está na cadeia, com o explorado... e em geral com os homens, pois nela Jesus convida o cursilhista a não olhar para trás ou para cima a fim de O amar, mas a olhar para a frente (pp. 31-32). Um exemplo mais frisante temos nas considerações da primeira estação (pp. 4-5):

36) "Cristo continua preso faz 20 séculos.

Há prisões por toda Parte Há prisões que não se escondem, que têm grades que a gente pode ver. E há prisões disfarçadas, que têm grades invisíveis que a gente não pode pegar e sacudir de raiva. .. Há prisões onde os carrascos torturam como verdadeiras feras humanas. E há prisões onde os carrascos andam mascarados em homens de bem. Há prisões que se chamam "prisão". E há prisões que recebem uma porção de nomes arranjados; prisões que se chamam favela, cidade, fábrica, baile, casas de perdição. Prisões chamadas regime político, sistema econômico, sociedade anônima, contrato, lei, regulamento... Prisões que recebem tantos outros nomes em todos os países e em todos os tempos [...].

Em todas as prisões — visíveis ou invisíveis, em que me encontro — Cristo é meu companheiro de cela. Se sou liberto de alguma delas, Cristo continua lá prisioneiro.

Senhor, ajudai-nos a reconhecer

o vosso rosto desfigurado

em todas estas prisões.

Ajudai-nos a reconhecer-vos,

para que no dia

em que a totalidade dos encarcerados

for conduzida ao Supremo Tribunal da História

possamos ouvir de vossa boca:

"Vinde benditos... porque eu estava prisioneiro

em cada um destes meus irmãos

e vós estivestes comigo" (Mat. 25, 36)".

Como vedes, amados filhos, o texto de São Mateus foi retocado. Retoque necessário, para ajustar-se aos desígnios do autor, os quais esta meditação deixa entrever. — Quais seriam esses desígnios? — Observemos a quem é Jesus equiparado, e não será difícil perceber. — Jesus é aqui indicado como símbolo do prisioneiro de um sistema político, social, econômico. Na generalização, porém, com que engloba de modo vago todos os que estão nas prisões, com que não especifica quais os regimes opressores, a meditação só poderá suscitar descontentamento, ódios, subversão.

37) O exemplo citado mostra como os deveres sociais são concebidos, por tais publicações, de modo a acentuar uma tendência esquerdizante. E, de fato, na ordem econômico-social reaparece a orientação igualitária com que Cursilhos encaram as estruturas eclesiásticas.

Com efeito, em diversas publicações oficiais de seus Secretariados, manifestam-se Cursilhos por uma mudança fundamental das atuais estruturas sociais, que sacrificariam os direitos essenciais do homem (cf. trabalho da Colômbia no II Encontro Mundial de Cursilhos, em "Encontro Mundial..., Tmas do 3.° Dia", edição do Secretariado Nacional do Brasil, p. 34). Uma insistência sobre as igualdades essenciais dos homens, sem salientar as legítimas e importantíssimas desigualdades acidentais — que, no entanto, dão origem à sociedade — encaminha o cursilhista para uma concepção igualitária da sociedade, que chega a censurar a desigualdade, porque um tem mais do que o outro (cf. Eduardo Cierco, "El cristiano y la pobreza", em "Trípode", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos da Venezuela, n.° 70, maio de 1970, p. 19).

Como já vimos, têm para nós especial interesse as intervenções no II Encontro Mundial de Delegados de Cursilhos (México, 1970), pois foram elas traduzidas e divulgadas no Brasil, para enriquecimento cultural dos responsáveis pelo Movimento. Entre as intervenções, a do representante da Colômbia reproduz os jargões de todos os que se revoltam contra as estruturas atuais, sem definir com clareza qual a estrutura que almejam para substituí-las (cf. "Encontro Mundial..., Temas do 3.° Dia", pp. 34 ss.) (32).

Na intervenção indicada, surgem as acusações comuns entre os subversivos, contra as atuais estruturas: são "paternalistas", "oligárquicas", "impedem a realização das pessoas e dos povos", "destroçam a igualdade essencial entre os homens e a plena realização de seus direitos" (p. 34). O relator não declara que se refere às atuais estruturas, mas percebe-se claramente que são elas que visa, sobretudo quando lhes atribui todos os males que afligem a humanidade. De fato, se não se reporta às estruturas atuais, quais seriam as estruturas cujos frutos são "a miséria, a fome, o ódio, a rebeldia, as guerras, a ignorância, o infantilismo, o mutismo e a irresponsabilidade, e a marginalização de homens e povos na cooperação livre da marcha da história, impedindo-lhes todo o acesso aos círculos nacionais ou mundiais, onde se decidem os destinos do homem e do mundo" (p. 35)? — Não julgamos o relator tão néscio que catalogue os defeitos e contra eles se insurja, quando está certo de que não existem.

Por una subversión total
38. Aliás, publicações oficiais de Cursilhos não fazem mistério do fim político-social que visam: a subversão total das atuais estruturas da América Latina. "Trípode", que já citamos, e é uma das mais importantes revistas de Cursilhos no continente, à página 2 de seu número de julho de 1971, encabeça uma reportagem com o título: "Mudanças estruturais na América Latina devem ser rápidas, urgentes, TOTAIS" (o destaque em versalete é nosso). A frase é do Pe. Edgard Beltrán, Secretário executivo do Departamento de Pastoral de Conjunto do Conselho Episcopal Latino-Americano. "Trípode", fazendo dela o título do artigo encampa-a totalmente. Na página seguinte do mesmo número, outro título assume o mesmo significado: "O povo de Deus deve unir-se com os que lutam por uma ordem social mais justa".

Compreende-se que tais publicações se mostrem favoráveis aos Padres contestatários "pela muita verdade que podem ter em suas impostações" ("Trípode", n.° 83, julho de 1971, reportagem citada, p. 2), uma vez que há um paralelismo entre as reivindicações contra as estruturas eclesiásticas e as civis (33).

Los Cursillos y "Le Sillon"
39. Por que há em Cursilhos tal oposição às atuais estruturas econômico-sociais?

Ao que parece, porque se lhes afigura injusta a estratificação da sociedade em classes. Dizemo-lo porque a razão invocada, no II Encontro Mundial de Delegados Nacionais de Cursilhos, contra o paternalismo, foi que este impede "a realização das pessoas e dos povos" ("Encontro Mundial..., Temas do 3.° Dia", p. 34). Em outras palavras. As estruturas em que haja superiores, ainda que sejam segundo o modelo ideal da autoridade, que é a paterna, devem ser reprovadas. Vale dizer que o homem só pode realizar-se onde não haja superior, onde não deva obedecer, onde não haja diretrizes que venham de cima, porquanto em tais estruturas ele se sente diminuído, uma vez que não assume a responsabilidade da decisão que lhe comunica a autoridade.

Semelhante posição político-social não é nova. O movimento igualitário francês, conhecido como "Le Sillon", preconizou o mesmo princípio regulador das relações político-sociais. Mereceu por isso severa censura de São Pio X. Diz o Pontífice que, segundo "Le Sillon", "o homem só será verdadeiramente homem, digno desse nome, no dia ,em que adquirir uma consciência esclarecida, forte, independente, autônoma, podendo dispensar mestres, SÓ OBEDECENDO A SI PRÓPRIA, e capaz de assumir e desempenhar, sem falhas, as mais graves responsabilidades" (AAS, 2, p. 620 — o destaque em versalete é nosso) (34).

Exposta a doutrina, passa o Papa a condená-la. Diz: "O sopro da Revolução passou por aí, e podemos concluir que as doutrinas sociais do "Sillon" são erradas, seu espírito é perigoso e sua educação funesta" (Ib., p. 622).

Vedes, amados filhos, pela energia com que o Papa São Pio X condena o igualitarismo do "Sillon", que temos toda razão de recear que a análoga doutrina de Cursilhos vos seja gravemente nociva à alma.

40. Tanto mais que o ensinamento de São Pio X não é uma voz isolada na série de Papas que perpetuam a sucessão de São Pedro no governo da Igreja. São Pio X repete a doutrina de Leão XIII (cf. v. g. a Encíclica "Rerum Novarum"), que por sua vez era o eco da Tradição revelada, como da voz da própria razão humana. Por seu turno, Pio XII, na sua célebre Mensagem natalina de 1944, sobre a democracia, reafirma a mesma linha doutrinária de seus Antecessores. De fato, este Papa, de nossos tempos, propugna uma hierarquia social mesmo nos países democráticos, pois afirma que, "num povo digno de tal nome, todas as desigualdades não arbitrárias, mas derivadas da natureza mesma das cousas, desigualdades de cultura, posses, POSIÇÃO SOCIAL - sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da caridade mútua — não são de modo algum obstáculo à existência e ao predomínio de um autêntico espírito de comunidade e fraternidade" (AAS, 37, p. 14 — o destaque em versalete é nosso).

41. Num ambiente de contestação e subversão, como o que atravessam em nossos dias a Igreja e a sociedade civil, se torna ainda mais necessária, amados filhos, a fidelidade à doutrina tradicional, contra as teorias igualitárias que, sob pretexto de salvar a dignidade humana, aliciam nosso amor próprio, nos desviam do caminho da verdadeira paz social, e, pior ainda, da via que conduz à vida eterna.

Los Cursillos y el comunitarismo
42. É possível que o desejo de sublinhar a união fraterna dos fiéis, operada pelo Espírito Santo, tenha levado Cursilhos a insistir sobre a vida comunitária. Tal ideia em Cursilhos é mesmo absorvente. No tríduo cursilhista é obrigatória (35). É considerada peculiar ao Movimento (36). Afirma-se até que nos cursilhos não se pode considerar uma conversão individual, desligando-a da comunitária, pois é na comunidade e para ela que deve o fiel viver (37).

43. Uma tal impostação, amados filhos, também Nos deixa perplexos.

É verdade que em publicações cursilhistas encontram-se textos que insistem na necessidade da direção espiritual individual (D. Hervás, "Manual de Dirigentes", pp. 294 ss.), na importância da oração pessoal (rolho "Vida em Graça", pp. 41 ss. ), etc.

No entanto, os muitos documentos cursilhistas que sobrestimam o valor da comunidade causam-nos perplexidade. Não há dúvida de que nos cumpre fomentar a caridade fraterna, que une todos os fieis no Corpo Místico de Cristo e é o sinal pelo qual somos conhecidos como discípulos do Senhor. É necessário, todavia, salvar sempre a responsabilidade e atividade pessoal de cada um. A vida comunitária não pode ser levada tão longe que venha, praticamente, a absorver o fim pessoal do fiel.

Já o advertia Pio XII, na Encíclica sobre o Corpo Místico: "Enquanto no corpo natural — assim o Papa — o princípio da unidade junta de tal maneira as partes, que cada uma fica sem própria subsistência, no Corpo Místico, ao contrário, a força da mútua coesão, por mais íntima que seja, une os membros de modo que conservam a própria personalidade. Além disso, se considerarmos a relação entre o todo e os diversos membros em qualquer corpo físico dotado de vida, os membros particulares destinam-se, em última análise, unicamente ao bem do composto, ao passo que a sociedade de homens, considerado o fim último de sua utilidade, é finalmente ordenada ao proveito de todos os membros e de cada um deles, como pessoas que são" (AAS, 35, pp. 221- -222).

E Nós, em Carta Pastoral sobre os Documentos conciliares, advertimos Nossos fiéis, nesta matéria, com as seguintes observações: "Há, em cada homem, algo de inteiramente pessoal, inviolável, de que ,ele não tem obrigação de dar contas aos demais homens, campos em que é livre de escolher quem melhor o possa encaminhar nas vias da santificação. Um sistema que desconheça essa realidade íntima da pessoa, concorre não para a formação do fiel, mas para sua despersonalização, pela sua absorção num todo amorfo, do qual não passa de uma peça sem finalidade autônoma. É precisamente o que sempre intentaram fazer os totalitarismos, que sacrificam o homem ao Estado e desconhecem a dignidade pessoal que há em cada indivíduo" ("Por um Cristianismo Autêntico", p. 293).

Los Cursillos y la subversión comunista
44. Vem a propósito salientar a analogia que há entre as concepções de Cursilhos sobre as relações indivíduo-comunidade, e as que propugna o comunismo no âmbito estatal. Naquelas, o fiel fica sujeito de tal modo à comunidade em que vive, que não pode nem converter-se, nem progredir na Graça, a não ser mediante a vida comum; nestas, o indivíduo é, de modo semelhante, absorvido pelo Estado.

Chegamos, assim, a outro motivo de Nossas apreensões : a simpatia que, em meios cursilhistas, se nota pelo marxismo e suas teses (38). Observamos, em mais de uma publicação cursilhista, não somente simpatia, mas adesão plena a teses marxistas.

45. Assim, como os marxistas, dirigentes cursilhistas julgam que a realização do homem consiste no bem da comunidade, alcançado fundamentalmente pelo trabalho. Afirmam, com efeito, que "o homem busca, mediante o trabalho, realizar-se comunitariamente e dominar o mundo, para desse modo estruturar uma vida plenamente humana" (intervenção da Colômbia no II Encontro Mundial — "Encontro Mundial... Temas do 3.° Dia", p. 34).

Na revista "Trípode", n.° 55 (janeiro de 1969, pp. 8-9), em artigo intitulado "En qué coinciden marxistas y cristianos?", José María de Llanos, analisando publicação do Pe. Girardi em "Terre Entière", aceita vários pontos de coincidência entre marxismo e Cristianismo. Versan sobre los elementos básicos del marxismo:

- el fundamento de una nueva estructura; de una nueva humanidad, es de orden económico;

- la paz exige este nuevo orden, y pasa por la revolución;

- que podrá ser violenta, si no pudiera realizarse pacíficamente;

- «el régimen de propiedad deberá ser transformado por una intervención enérgica de la autoridad pública, nacional e internacional».

No artigo "El cristiano y la pobreza", Eduardo Cierco, em "Trípode" (n.° 70, maio de 1970, pp. 19-20), expõe noções de tendência igualmente marxista sobre a prevalência do econômico na vida social e sobre a negação do direito de propriedade.

¿República universal soviética?
46. Como vedes, amados filhos, tudo isso envolve a aceitação do materialismo histórico, da ditadura do trabalho, a negação do princípio da propriedade privada, e a exigência da igualdade completa entre todos os homens. São, essas, teses marxistas, explicitamente condenadas pelo Magistério eclesiástico.

Quanto à negação da propriedade privada e à implantação do socialismo, o referido artigo de José Maria de Llanos declara que o novo regime deve ser imposto mesmo por uma autoridade internacional. Estará seu autor pensando numa ditadura universal soviético-comunista? — É o caso de perguntar.

"Já não ensinamos mais que o comunismo é mau"
47. Expressões tão nitidamente favoráveis ao comunismo não se encontram com frequência em publicações cursilhistas. Notemos, no entanto, amados filhos, que tais expressões são fruto do espírito igualitário que domina em Cursilhos, espírito de si responsável por uma tendência comum a todo o Movimento (39).

Con buen fundamento, por tanto, llamamos vuestra atención para el peligro comunistizante que puede difundirse a través de los Cursillos, aun cuando estos reúnan personas adversas a los principios y a las conclusiones marxistas.

48. Como exemplo da tendência evolucionista no sentido comunista, poderíamos indicar o gosto pelo novo enquanto novo, especialmente quando favorece o esquerdismo. É o que notamos em "Alavanca", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil, que em secção de A. M. Cantatore (n.° 57, junho de 1971, p, 17), apresenta o livro de Louise Rinser, "Um Diálogo, um Horizonte", onde se declara que seremos instrumentos dóceis do progresso, quando "nossa consciência nos disser que o novo — POR MAIS NOVO QUE SEJA - é o critério primeiro da cultura", e que uma dessas novidades é: "em Política já não ensinamos mais que o comunismo é mau" (o destaque em versalete é nosso) (40).

Semelhante orientação não impede que tais revistas acolham artigos que expõem as posições tradicionais na ordem econômico-social. Sem entrar na análise da razão por que procedem assim, sublinhemos, amados filhos, que contradições dessas desnorteiam o leitor e lhe tiram qualquer vontade de ter princípios. Ora, sem princípios firmemente aceitos, o indivíduo com facilidade resvala hoje para o comunismo, porque fica privado dos meios de lhe opor resistência.

Comunistização da Igreja?
49. No queremos pensar que los Cursillos estén al servicio del marxismo. Preguntamos, entretanto, amados hijos: ¿a quién aprovecharía una organización católica que, en sus publicaciones, mezclase materia ortodoxa con otras obviamente marxistas? Não vos parece que seria essa a melhor maneira de introduzir o marxismo entre os católicos?

50. Vem a propósito lembrar a norma dada, pelo comunismo, para Cuba, a fim de primeiramente minar a Igreja, e depois pô-la ao serviço do movimento comunista. Encontra-se no folheto de Li Wein Han, diretor de um dos departamentos do Comité Central do Partido Comunista chinês, "A Igreja católica e Cuba. Programa de ação". A norma é a seguinte: "Gradualmente despertar e desenvolver a consciência política dos católicos, induzindo-as a tomar parte em círculos de investigação e ação política [...]. Gradualmente, substituiremos o elemento religioso pelo elemento marxista. Pouco a pouco [...] os católicos destruirão, por sua espontânea determinação, as imagens divinas que eles mesmos criaram" (em "Cursillo — To Deceive the Elect!", p. 126).

Segundo esse programa, o encaminhamento para o comunismo deveria fazer-se aos poucos, gradualmente, misturando interesse político com preocupação religiosa. Cursilhos, onde encontramos uma estranha mescla de ortodoxia e esquerdismo, não teriam caído em semelhante malha?

Contra el orden natural y la Revelación
51. Ao abraçarem teses marxistas, as publicações cursilhistas que o fazem não refletem sobre a oposição frontal que há entre o marxismo e a ordem natural, entre a filosofia social comunista e os muitos ensinamentos do Magistério eclesiástico sobre o assunto, bem como esquecem as condenaçoes reiteradas do comunismo, em documentos da Santa Sé.

A Encíclica de Pio XI "Divini Redemptoris", que expõe a concepção católica da ordem social e a comunista, evidenciando a incompatibilidade absoluta que há entre uma e outra, recorda também os Documentos pontifícios que fulminaram o comunismo (AAS, 29, 66 ss.). Começa citando Pio IX, que na Encíclica "Qui Pluribus" (9 de novembro de 1846) estigmatiza "aquela nefanda doutrina do chamado comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural e que, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, cousas e propriedades de todos, e da mesma sociedade humana''. Mais tarde, Pio IX renovou a condenação do comunismo no parágrafo IV do "Syllabus". Depois de Pio IX, Leão XIII definiu o comunismo como "peste destruidora que, infeccionando a medula da sociedade humana, a levaria à ruína" (Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878). Enfim, o mesmo Pio XI, antes da Encíclica "Divini Redemptoris", já havia despertado a vigilância dos fiéis contra o comunismo, condenando-o em vários Documentos de sua suprema autoridade apostólica: em 1924, em Alocução ao mundo todo (18 de dezembro); na Encíclica "Miserentissimus Redemptor" (8 de maio de 1928); na Encíclica "Quadragesimo Anno" (15 de maio de 1931); na Encíclica "Caritate Christi Compulsi" (3 de maio de 1932); na Encíclica "Acerba Animi" (29 de setembro de 1932); na Encíclica "Dilectissima Nobis" (3 de junho de 1933). Depois de Pio XI, seu Sucessor, Pio XII, em várias ocasiões confirmou o ensinamento tradicional sobre o comunismo. Célebre é, nesse sentido, a alocução ao "Katholikentag" de Viena (14 de setembro de 1952), na qual declara o Papa que a Igreja lutará, com todas as suas energias, contra o socialismo, que nesta segunda metade do século ameaça devorar as pessoas e as famílias ("Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIV, pp. 311 ss.). Por sua vez, João XXIII, na Encíclica "Mater et Magistra", defende explícita e vigorosamente a propriedade privada, mesmo dos meios de produção (AAS, 53, 427). O Papa tem em vista, naturalmente, os comunistas, uma vez que semelhante tese se opõe diametralmente ao ponto de vista marxista.

Falta de obediencia a la Iglesia
52. Contrariando tais condenações, uma publicação cursilhista chega a dizer que o católico não deve mais aceitar o que a Igreja ensina, a não ser que o aprove, depois de submeter o ensinamento da Igreja ao próprio julgamento. É o que lemos em "Alavanca", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil, em seu número 57, na secção de A. M. Cantatore, ao apresentar o livro acima citado de Louise Rinser. Pois, entre os conceitos desse livro que a revista reproduz como especialmente recomendados, está este: "Antes a gente apelava para a autoridade doutrinal de Platão, de Aristóteles, de Santo Tomás de Aquino, ou então podia justificar-se com a frase [...] "a Igreja ensina...". Hoje em dia todas as verdades têm de ser provadas para se ver se elas ainda se aplicam à vida moderna tão diferente". Pelo exposto, não é a Igreja que vai dizer se sua doutrina se aplica à vida moderna. É cada um, ou a mesma Louise Rinser.

São posições como essa, assumidas por órgãos oficiais de Cursilhos, que alimentam Nossa suma reserva com relação a esse Movimento. No caso citado, por exemplo, não se trata de um ensinamento isolado deste ou daquele Papa. E sim de uma doutrina que passou para a Tradição, de maneira que dela se pode dizer: "a Igreja ensina". Ora, não aceitarmos mais o que "a Igreja ensina", isto é, não aceitarmos mais o ensinamento da Tradição que não nos pareça modernizado, é sinal de que não somos mais católicos. Pois nisto está a diferença entre os católicos e os sequazes das várias seitas: aqueles aceitam as verdades que fazem parte do ensinamento da Igreja, porque a Igreja as ensina; ao passo que os asseclas das diversas seitas rejeitam semelhante submissão à Casta Esposa de Jesus Cristo, e se apegam a doutrinas que recebem de um ou outro heresiarca, em quem confiam mais do que na Mãe e Mestra, que deixou Jesus Cristo, na terra, para nos indicar o caminho da salvação. De mãos dadas com os hereges, estão os que querem julgar de tudo, e só aceitam o que parece mais conforme à sua ignorância. Estes, como todos os sectários, recusam o que "a Igreja ensina". Mas recusar o que a Igreja ensina é, ainda que inconscientemente, desligar-se da Igreja de Cristo.

Laicismo social y político
53. No mesmo sentido de convergência com o marxismo, temos ainda que lamentar o que certos meios cursilhistas pregam sobre o ideal laicista. De fato, entre os pontos de doutrina comuns a marxistas e cristãos, aponta "Trípode" a laicidade do Estado e da sociedade (n.° 55, p. 9, artigo "¿En qué coinciden marxistas y cristianos?", de José Ma. de Llanos). Declara que é possível um humanismo por cima das confissões religiosas, para cuja realização colaborem marxistas e cristãos, uma vez que o Estado "não deve ter o privilegiado apoio de nenhuma ideologia, pois sua missão própria não é nem cristã nem atéia, mas simplesmente humana". Sob este ponto de vista, o Estado é, acrescenta a revista, como "os cabeleireiros e as confeitarias".

Em semelhante atitude laica, como salvar o dever do católico, que é de impregnar de espírito cristão a sociedade e o Estado?

Réu confesso
54. Não encerremos, amados filhos, estas nossas observações sobre Cursilhos de Cristandade, sem salientar a nota que se encontra à página 5 do rolho que apresenta o texto das Meditações para o tríduo cursilhista (Secretariado Nacional da Espanha, Madrid, 1968).

Declara-se aí que "em 1949 e na década seguinte", porque eram "outros os tempos", Cursilhos precisaram velar algum tanto sua concepção da Graça e da vida cristã, citando nas suas publicações (quer dizer que oralmente eram mais claros!) "só ou prevalentemente os autores e textos tradicionalmente admitidos por todos". Deviam defender a "ortodoxia dos Cursilhos".

Acontece, continua o rolho, que, com. o Vaticano II, "algo de transcendental se passou na vida da Igreja". Não precisaram mais Cursilhos velar sua doutrina a fim de não parecerem menos ortodoxos (41).

Uma tal observação, amados filhos, não é de molde a afugentar Nossos temores. Pelo contrário. Deixa ela em Nossa mente uma interrogação: — Pensarão Cursilhos que a doutrina sobre a Graça e a vida cristã, antes do Vaticano II, não era correta, não era ortodoxa? Ou, pelo menos, pensarão que nela havia uma lacuna fundamental, que só agora foi preenchida? Julgarão que os fiéis tiveram que esperar até o II Concílio do Vaticano, para saber o que é a vida cristã? — Em tal caso, o acontecimento do Vaticano II, neste ponto, teria sido realmente transcendental!

Nós, porém, diante de semelhante nota de Cursilhos, temos um motivo a mais para temer quanto à ortodoxia do ensinamento cursilhista sobre a Graça e a vida cristã. Mais. Como Cursilhos, antes do II Concílio do Vaticano, velavam sua doutrina, quem nos assegura que não a continuem a velar, em outros pontos, na expectativa de que mais uma vez "se passe algo de transcendental na Igreja"? Não está nisso envolvido o segredo e o ar de mistério com que certos cursilhistas se referem ao que se passa no tríduo?

CONCLUSIÓN

55. Com esta Carta Pastoral, respondemos, amados filhos, ao desejo, que muitos de vós Nos manifestastes, de ter uma palavra de orientação sobre Cursilhos. Como vedes, caríssimos Cooperadores e amados filhos, temos grandes perplexidades com relação a esse novo "instrumento de renovação cristã", perplexidades que Nos levam a desaconselhar vivamente a que vos deixeis envolver por ele. Dada a analogia que, ao longo desta Carta, notamos entre Cursilhos e "Le Sillon", Nós vos aconselhamos a leitura da Carta Apostólica de São Pio X a respeito daquele movimento igualitário, que surgiu na França, entre católicos, no começo deste século. A palavra altamente autorizada de São Pio X vos iluminará sobre a orientação da Igreja em matéria de renovação social, e vos confirmará na atitude de reserva a ser assumida em face de Cursilhos de Cristandade.

56. Evitemos, amados filhos, métodos de formação novos que não se ajustem aos ensinamentos tradicionais da Igreja. Nesta ocasião, desejamos recomendar, muito especialmente, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, elogiados por muitos Papas, encarecidos por Pio XI como elemento indispensável de formação ascética (AAS, 14, pp. 629 ss.). Nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, em aliança harmoniosa, a fé, a razão e a sensibilidade colaboram para o enrijecimento da vontade na prática da virtude, na perseverança no amor de Deus. A fé e a razão indicam o lugar próprio do homem na ordem da criação: feito para Deus, para sua glória, deve ele utilizar-se das criaturas, na medida em que o auxiliem na consecução do fim para que foi criado. Bem fixado o princípio e fundamento, é o homem auxiliado a viver de acordo com ele, mediante os meios subministrados, não apenas pela psicologia humana, mas sobretudo pela Graça e pelos exemplos vivos de Jesus Cristo, cujo currículo terreno abarca a maior parte das meditações na obra de Santo Inácio.

57. Na utilização dos métodos tradicionais, sejam as ilustrações tomadas também a exemplos atuais, sejam as explanações feitas de modo accessível aos homens de nosso tempo; a doutrina, porém, e o modelo sejam os de todos os tempos: a Revelação e a figura adorável de Jesus Cristo, que é de hoje, como foi de ontem e será de todos os séculos, "heri et hodie Ipse et in saecula" (Heb. 13, 8).

58. Na ordem social, difundamos, por todos os meios, a doutrina da Igreja, que não há outra capaz de formar uma sociedade e um Estado que ponham a salvo os direitos dos indivíduos, das famílias e dos grupos sociais. Por isso, os Papas, que tomaram a si o encargo de desenvolver este capítulo da doutrina da Igreja, insistem em que a primeira condição de uma reforma social benéfica, está na conversão interior e na vida cristã.

Aliás, foi o que Jesus Cristo ensinou. Ele não pregou nenhuma subversão da ordem estabelecida. Pelo contrário, esquivou-Se da multidão, quando quiseram aclamá-Lo Rei (Jo. 6, 15), reconheceu a autoridade do Procurador romano (Jo. 19, 11) e, de modo geral, fixou o princípio: "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" (Mat. 22, 21).

Não obstante, sob a influência dos princípios que Nosso Senhor pregou e difundiu no mundo, mediante seus Apóstolos, o Império Romano passou por modificações profundas e regeneradoras. Mais tarde, quando os bárbaros esfacelaram aquele império, a Igreja, agindo sempre de acordo com o exemplo do Divino Mestre, exerceu, mais uma vez, sua influência regeneradora sobre os novos povos. Construiu assim a civilização cristã, que no dizer de Leão XIII levou ao seu ápice a humanidade.

59. Confiamos em que a Santíssima Virgem Maria, Senhora e Mãe nossa terníssima, Se digne abençoar esta Nossa Carta Pastoral, fazendo-vos, caríssimos Cooperadores e amados filhos, compreender que a situação delicada por que passa a Igreja — Paulo VI falou mesmo num processo de "autociemolição" (42) — pede muita vigilância para permanecermos fiéis à Sagrada Tradição.

A vós todos, caríssimos Cooperadores e amados filhos, enviamos, do íntimo de Nossa alma, paterna bênção pastoral, em nome do Pa†dre e do Fi†lho e do Espírito†Santo. Amém.

Dada e passada sob Nosso Sinal e selo de Nossas Armas, na Episcopal Cidade de Campos, aos quinze de agosto de mil novecentos e setenta e dois, festa da Assunção Gloriosa da Bem-aventurada Virgem Maria aos Céus.

† Antonio, OBISPO DE CAMPOS

NOTAS
1) O Movimento de Cursilhos de Cristandade tem como atividade básica a promoção de pequenos cursos de três dias (daí o seu nome, em castelhano, de "cursillos"). No tópico número 4, apresentamos uma breve descrição desses tríduos. Para maior clareza, nesta Carta Pastoral indicaremos o Movimento como Cursilhos, com inicial maiúscula, e o tríduo como cursilho, com inicial minúscula.
De si, aqueles que fizeram o cursilho ingressam na chamada fase do Pós-cursilho. Participam de reuniões de grupo locais. Reuniões maiores, que congregam periodicamente vários grupos, recebem o nome de Ultreyas. O Movimento também publica livros e revistas, promove cursos para dirigentes (a cargo das chamadas Escolas de Dirigentes), organiza congressos nacionais e internacionais, etc.

2) Para a elaboração desta Carta Pastoral, não utilizamos apenas escritos cursilhistas de origem brasileira, mas também, e em larga escala, documentação em língua castelhana.
Agimos assim porque, de um lado, é nesse idioma que se fizeram as publicações mais importantes, essenciais mesmo, de Cursilhos, como a edição espanhola dos rolhos ou conferências do tríduo cursilhista ("Rollos de Cursillos de Cristiandad", edição do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade da Espanha, 15 fascículos, Euramerica, Madrid, 1968), e as obras de D. João Hervás, o grande propulsor de Cursilhos na Espanha, país de origem do Movimento (citaremos especialmente o seu "Manual de Dirigentes de Cursillos de Cristiandad", Euramerica, Madrid, 1968, 6.a edição, e a sua Carta Pastoral "Los Cursillos de Cristiandad, instrumento de renovación cristiana", Euramerica, Madrid, 1968, 7.a edição).
E, de outro lado, porque, dada a unidade de orientação de Cursilhos, sobretudo na América Latina, e dado o grande intercâmbio de publicações que eles promovem entre os países do Continente, é legítimo e até necessário examinar o que é editado pelos numerosos Secretariados nacionais e diocesanos, para conhecer a natureza do Movimento e os rumos que com o passar do tempo vai tomando.

3) Todas as citações dos rolhos que faremos nesta Nossa pastoral são tomadas da edição do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade da Espanha (Madrid, 1968).

4) Tem havido adaptações de rolhos com o fim de ajustá-los melhor ao ambiente das várias nações. No Brasil formulou-se, por exemplo, o esquema de um novo rolho sobre a fé. Tais adaptações, no entanto, não têm mudado a doutrina e as diretrizes gerais do Movimento.

5) Damos aqui o texto, objeto de Nossas observações : "Esta amizade de Deus conosco é algo fabuloso, extraordinário. Diz Santo Tomás, o grande teólogo, que a amizade só se dá quando há, por um lado, igualdade entre os amigos, e, por outro, comunicação de bens. Deus não é alguém que se aproxima de mim lá de sua altura e se inclina condescendente, por compaixão ou filantropia, como quando um rico dá uma esmola a um pobre lá da altura de sua riqueza; isto humilha e fere a dignidade em certa maneira, embora remedeie uma necessidade. Não. Deus é um verdadeiro amigo, alguém que está em plano de igualdade comigo, alguém que pela Graça me eleva até a sua altura, me transforma para que eu possa falar-lhe de tu a tu, como a um amigo. A amizade da Graça te coloca num plano de igualdade com Deus e consiste em que Ele se comunica, se dá totalmente a ti, e tu te dás completamente a Ele, como dois amigos se comunicam o que têm de mais íntimo" (p. 30).
Note-se que o rolho, neste trecho, apela para a autoridade de Santo Tomás de Aquino. Infelizmente não indica o lugar do Doutor Angélico em que se apóia. Observemos que, quando Santo Tomás fala da elevação do homem à dignidade de filho adotivo de Deus, mediante a participação da natureza divina, que a Graça confere, toma o cuidado de sublinhar que não se trata de uma igualdade propriamente dita. Fala de "quadam similitudine" (alguma semelhança — cf. 1-2, q. 110, a. 4; q. 112, a. 1). E na 1, q. 33, a. 3, diz taxativamente: "na criatura a filiação, com relação a Deus, se encontra, não segundo uma razão perfeita, porquanto não é a mesma a natureza do Criador e a da criatura, mas segundo alguma semelhança".

6) A esmola é apresentada na Sagrada Escritura como ato bom e louvável. Obtém de Deus indulgência para os pecados (Tob. 12, 9; Ecli. 3, 33; 29, 15; Luc. 11, 41; etc.). É diretamente recomendada (Ecli. 7, 10; Mat. 6, 2-4; Luc. 14, 13; etc.). Jamais é a esmola considerada, em si mesma, como um ato que humilhe o pobre. Aliás, a Igreja não fomentaria as instituições que se destinam a angariar esmolas para distribuí-las aos pobres.
Com o que aqui ponderamos, não queremos censurar outras instituições, cuja finalidade é auxiliar o necessitado a sair de sua situação para outra, na qual possa prover por si mesmo às suas necessidades. Desejamos, apenas, salientar que a esmola é, em si, cousa boa e louvável, nada tendo que possa legitimamente vexar o pobre.

7) Eis o texto: "Evidentemente, não falamos de um conceito dè santidade que é talvez o que temos na cabeça, um conceito falso que provém destas figuras de santos de gesso, que não se sabe se são( homens ou mulheres e de quem nos contam que faziam cousas estranhas, como passar a metade da vida sobre uma coluna, ou não levantar nunca os olhos do chão; as extravagâncias nunca poderão identificar-se com a santidade, nem confundir-se com ela; é possível que tenha havido santos que eram tipos estranhos; foram, porém, santos, apesar de serem estranhos" (p. 35).

8) "Pois então: não interessa este mundo? Se somos peregrinos que caminhamos para o Reino definitivo de Deus, se o que nos interessa é a Pátria final, porque preocuparmo-nos deste mundo visível, que por fim desaparecerá? —Assim pensaram muitos cristãos, refugiando-se numa religiosidade desencarnada, angelista, onde só contam as realidades sobrenaturais. Sem embargo, não é este o pensamento de Deus" (rolho "Graça habitual", p. 42).

9) A mesma orientação humanista que apontamos no rolho "Graça habitual", encontra-se em várias publicações cursilhistas recentes. Damos disso a seguir alguns exemplos, extraídos de documentos do III Encontro Latino-Americano de Delegados Nacionais do Movimento de Cursilhos de Cristandade (maio de 1972, Itaici, São Paulo — Encontro que designaremos pela sigla "III ELA"), e do livro "Reflexões para Cursilhistas de Cristandade", de Sebastián Gayá Riera (Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, São Paulo, 1970).
No "Documento de Itaici", que contém as conclusões do III ELA, lemos que "o Deus da Criação e o Deus da Revelação não têm palavras divergentes e contraditórias, mas convergentes para um mesmo fim: O BEM DO HOMEM E O BEM DA HUMANIDADE" ("Alavanca", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil, n.° 67, 1972, p. 33 — o destaque em versalete é nosso). — Esta frase procura justificar a atitude fundamental do leigo, isto é, estar "imerso nas realidades temporais". Por ela se percebe, pois, em que sentido deve o leigo desenvolver sua ação no meio em que está imerso.
Na introdução ao "Documento de Itaici" (a qual é de responsabilidade do Escritório Latino-Americano de Cursilhos), recomenda-se aos "que têm responsabilidades no Movimento de Cursilhos", que "procurem no texto completo dos trabalhos [apresentados no III ELA], as razões das conclusões e dos postulados" ("Alavanca", n.í° 67, p. 29). De onde podemos ilustrar a conclusão que acima citamos, com a contribuição da Colômbia ao III ELA, em cujo texto, publicado em "Testimonio", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos da Guatemala, lê-se esta passagem: "O grupo cristão deve buscar a solução do problema fundamental do homem: A FELICIDADE. E o homem não é somente espírito. Nossos grupos não podem estar carentes de sabor humano, porque assim estariam carentes de sabor cristão. A felicidade do homem não se pode alcançar sem Deus, porém a fé não trata PRIMEIRAMENTE de Deus-em-si, SENÃO DO HOMEM E SEU APERFEIÇOAMENTO nEle" (edição extraordinária de "Testimonio", n.° 45, abril de 1972, p. 95 — destaque nosso). — Em semelhante perspectiva, torna-se difícil compreender a distinção entre sagrado e profano, porque o que é mais humano é, por isso mesmo, mais divino, segundo afirma o "Documento de Itaici": devem os leigos estender "mão fraternal a todos os que procuram realizar um mundo mais humano, e, por isso mesmo, mais. divino" ("Alavanca", n.° 67, p. 33).
Por outro lado, está muito ao sabor de semelhante perspectiva, enaltecer preponderantemente a caridade, no seu aspecto de obra de misericórdia temporal. É o que insinua a afirmação de "Reflexões para Cursilhistas de Cristandade", de Sebastián Gayá Riera, quando, reportando-se ao capítulo 25 do Evangelho de São Mateus, diz que o Juízo Final será todo e somente sobre a caridade (p. 168).
Já a seu tempo, São Paulo advertia os fiéis sobre uma falsa noção de caridade, quando na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 13, dizia que a esmola e os demais benefícios em favor do próximo são nada, se não vêm informados pela caridade, virtude teologal que permanece na Eternidade, ao invés da fé e da esperança, que desaparecem.

10) A perspectiva de um otimismo ingênuo e naturalista, com que o rolho sobre a Graça habitual encara o mundo, reaparece em outros documentos cursilhistas.
Assim, a contribuição do México ao III ELA ("Testimonio", n.° 45, pp. 59 ss.) lamenta: "a Igreja se havia voltado excessivamente sobre si mesma, se havia desencarnado, tinha voltado as costas ao mundo", afastando-se do "terreno em que Deus a quer", e onde o leigo "vai situá-la de novo" (p. 61).
Já Sebastián Gayá Riera, em "Reflexões..." havia batido na mesma tecla: "Mais do que vivermos sob o pavor [...] dos perigos do mundo, importa lançarmo-nos à rua para, fazermos fermentar cristãmente o mundo, com TODOS OS SEUS ELEMENTOS, AMBIENTES E ESTRUTURAS que barram a passagem a Cristo" (p. 55 — destaque nosso).
O "Documento de Itaici", do III ELA, faz eco a "Reflexões...", ao recomendar como atitude fundamental que deve informar a missão dos leigos, "estarem abertos para o mundo e imersos nas realidades temporais" ("Alavanca", n.° 67, p. 33).
No mesmo sentido, pode-se ver o livro "El Pueblo de Dios en Marcha" (Ediciones Sígueme, Salamanca, 1965), de Luis Alberto Machado, Reitor da Escola de Formação do Movimento de Cursilhos de Cristandade em Caracas.

11) O Pe. Cesareo Gil, do Secretariado de Cursilhos da Venezuela, endossa a mesma crítica em "Siete Rollos para Dirigentes de Cursillos de Cristiandad" (Sociedad de Educación Atenas, Madri, 1971, pp. 174-175): "Deixar de amar o mundo, abandonar as realidades terrenas para refugiar-se na solidão, é esquivar a responsabilidade própria da cristandade, que consiste, fundamentalmente, em apresentar viva a pessoa de Cristo aos homens de hoje, para assim consagrar o mundo a Deus".

12) Sobre tal concepção do Pe. Teilhard de Chardin, vejam-se, por exemplo, suas obras "Le Phénomène Humain" (Editions du Seuil, Paris, 1955) e "Le Milieu Divin" (Editions du Seuil, Paris, 1957).

13) Nesse documento, datado de 30 de junho de 1962, a Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício declarava que certas obras do Pe. Teilhard de Chardin sobre filosofia e teologia "contêm ambigüidades e mesmo erros tão graves, que elas ofendem a doutrina católica"; e exortava "todos os Ordinários e Superiores de Institutos religiosos, os Reitores de Seminários e os Presidentes de Universidades a defender os espíritos, particularmente os dos jovens, contra os perigos das obras do Padre Teilhard de Chardin e de seus discípulos" (L'Osservatore Romano", edição em francês, de 13 de julho de 1962).

14) Cfr.: "Trípode", órgão oficial de Cursilhos de Cristandade da Venezuela, n.° 55 (janeiro de 1969, p. 20); n.° 70 (maio de 1970, p. 20); "Testimonio", n.° 45 (abril de 1972, p. 70).
O Pe. Agustin Augustinovich, acatado autor com várias obras sobre Cursilhos, apela com freqüência a Teilhard de Chardin em abono de suas teses. Vejam-se "Vivencia de la Iglesia Comunidad Orientaciones para Cursillistas" (Sociedad de Educación Atenas, Madri, 1972, p. 162) e "Líneas Biblicas del Movimiento de Cursillos" (Ediciones Sígueme, Salamanca, 1970, pp. 24, 27, 35 et passim).

15) Cfr. "Alavanca", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, n.° 56, maio de 1971, p. 13; n.° 62, dezembro de 1971, p. 33; n.° 65, 1972, p. 34.

16) Poderia talvez alguém estranhar o fato de exprimirmos apreensões quanto a este ponto. Pois em geral Cursilhos se apresentam como um Movimento alheio à subversão. Infelizmente, porém, um exame atento de certas publicações cursilhistas revela que nossas apreensões neste particular não são infundadas. Como mostraremos adiante (tópicos 35 ss.), há círculos cursilhistas que chegam a revelar simpatias para com o marxismo e para com os Padres contestatários.
Desde já, queremos referir dois textos que falam por si. Trata-se de documentos que a revista "Trípode", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos da Venezuela, acolheu em suas páginas sem restrição alguma:

a) "Que as mudanças na América Latina têm de ser rápidas, urgentes e TOTAIS, envolvendo em sua realização todos os homens de boa vontade, declarou [...] o Revmo. Pe. Edgard Beltrán, Secretário Executivo do Departamento de Pastoral de Conjunto do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). [...] Sobre os grupos proféticos ou contestários (casos de Golconda, ISAL, Terceiro Mundo, etc.), o Padre Beltrán disse que "por eles se tem sempre um grande respeito", e que "se quer ouvi-los pela muita verdade que podem ter suas impostações" ("Trípode", n.° 83, de julho de 1971, p. 2 — o destaque em versalete é nosso).

b) "Entre nós já vive o Reino de Deus, entre nós está a levedura que transforma. Nada poderá deter nossa revolução. "Cristãos e homens de boa vontade, uni-vos", deve-se apregoar, copiando a frase de Marx em seu Manifesto. Pois ambas as revoluções, a comunista e a cristã, buscam um fim comum: A COMPLETA transformação das relações humanas. Eles com esperança, nós com esperança e certeza" ("Trípode", n.° 55, de janeiro de 1969, p. 20, artigo "Revolución y Cristianismo", transcrito de "El Mensajero" destaque nosso).

17) O movimento kerigmático surgiu na Igreja pelos idos de 1930, apresentando uma concepção nova e estranha da teologia e da vida cristã. Por esse motivo foi objeto de críticas severas. Acossado por semelhantes críticas, sofreu uma evolução à medida que seus adeptos buscavam se acobertar de tais impugnações. Vejam-se por exemplo: A. Jungmann, "Die Frohbotschaft und unsere Glaubensverkuendigung" (Ratisbona, 1936) ; "Katechetik. Aufgabe und Methode der religioesen Unterweisung" (Viena, 1953); P. Liégé, artigo "Evangélisation", em "Catholicisme", IV, 755-764; J. M. R. Tillard, "Principes pour une Catéchèse Sacranientaire Vraie" ("Nouvelle Revue Théologique", 1962, pp. 1044 ss.); R. Latournelle, "Théologie de la Révélation" (Montreal, 1963).
Não cabe nos limites desta Carta Pastoral, nem está dentro de sua finalidade, acompanhar semelhante evolução, ou dar do kérigma uma exposição técnica, ainda que sumária. Para a orientação de Nossas ovelhas basta que compreendam que a maneira como Cursilhos propõem a conversão kerigmática e a opõem à Catequese oferece o perigo de desviá-las do conceito exato da Fé e vida cristã que tradicionalmente a Igreja tem ensinado.

18) Esta maneira "vivencial" de encarar a Fé e a conversão é considerada essencial em Cursilhos, como se pode ver através de publicações cursilhistas.
Assim, o artigo "Los Cursillos de Cristiandad, instrumento de la Iglesia para la renovación cristiana del mundo", de Clemente Sánchez, publicado no citado número extraordinário de "Testimonio", à página 9 explica: "Vivência do fundamental cristão para nós é o mesmo que EXPERIÊNCIA viva e pessoal do gozo que produz a verdade cristã; satisfação interior, profunda, embriagadora e inefável que se SENTE ao viver este mundo sobrenatural que supõe a graça e a amizade de Deus" (destaque nosso). - Pouco antes (p. 8), opunha-se tal vivência ao simples pensar e conhecer: "Dissemos vivência pessoal, não sentimentalismo estúpido e despersonalizado, nem frio e inoperante intelectualismo; mas sim EXPERIÊNCIA viva, concreta, intuitiva, AFETIVA e efetiva. À diferença do simples pensar e conhecer, a vivência é uma resposta vibrante diante de um valor" (destaque nosso) — Cf. também Clemente Sánchez e Francisco Suárez, "Cursillos de Cristiandad Abiertos al futuro", edição do Secretariado Nacional de Cursilhos da Espanha, Euramerica, Madrid, 1971, pp. 19 ss., 474-475.
Por sua vez, as conclusões do III ELA, constantes do "Documento de Itaici" ("Alavanca", n.o 67, p. 30), reafirmam que "Cursilhos de Cristandade são um movimento vivencial", que devem ser "a proclamação kerigmática da mensagem de Cristo, visando a vivência do Mistério Pascal", que desejam acentuar "a busca da conversão na vivência e no testemunho [...], tornando concreto aquilo que se proclama", etc. — Como se vê, Cursilhos insistem em se declarar na linha kerigmática vivencial, e, pelo mesmo fato, não na linha propriamente catequética.
O último trecho das conclusões do III ELA citado, faz lembrar a definição de kérigma dada por Rahner, e apresentada, com comentários, pela Delegação da Nicarágua ao III ELA ("Testimonio", n.° 45, pp. 34 ss.). Semelhante definição se aproxima do modernismo, como se pode ver pela sua leitura: "Kérigma, em sentido pleno, é a pregação atual, determinada pela situação histórica, da palavra de Deus na Igreja, mediante pregadores que, acreditados por Deus, dão testemunho. Esta palavra, pronunciada pelos pregadores em fé, esperança e amor, pela virtude do Espírito, torna presente aquilo mesmo que é pregado (e no que o mesmo Deus se promete ao homem), como mensagem evangélica da salvação e como força obrigatória e normativa, que permite que a história da salvação em Jesus Cristo esteja presente "agora" segundo seu princípio e seu fim - cada um a seu modo - de tal maneira que esta palavra, feita por sua vez acontecimento nas cousas ditas e ouvidas, possa ser aceita pelo ouvinte em fé e amor".
Uma tal perspectiva é completada pela crítica aos Catecismos dos Doutores da Igreja, São Roberto Belarmino e São Pedro Canísio (id., p. 36) — que no entanto muito contribuíram para salvaguardar a Fé no povo contra a infiltração dos erros protestantes.
O Padre belga Joseph Comblin, que se tornou conhecido em todo o País por seus escritos subversivos, exprime um conceito semelhante de fé em seu livro "A Fé no Evangelho", recomendado pelo órgão de Cursilhos de Cristandade do Brasil, "Alavanca" (n.° 65, p. 34). À página 83 desse livro do Pe. Comblin (Vozes, Petrópolis, 1969), lê-se: "Ter fé é saber interpretar as situações da vida individual e social dentro da marcha do reino de Deus à luz da revelação de Cristo sobre esse reino. Arte difícil e perigosa. Obra de prudência verdadeira que nos faz desconfiar, criticar as interpretações recebidas e conformistas, deixar as veredas do passado que não servem mais, e permanecer sempre disponíveis para novas orientações. A fé verdadeira não é inerte, mas dinâmica. Não temos a fé de modo estável e garantido. De modo estável e garantido podemos guardar fórmulas e confissões literais. MAS A FÉ VERDADEIRA PRECISA RENOVAR O CONTEÚDO DAS FÓRMULAS: ESTA É A OBRA DO ESPÍRITO" (destaque nosso).
O Pe. Augustinovich, conhecido por seus livros sobre Cursilhos, na sua obra "Vivencia de la lglesia Comunidad", à página 117, também pleiteia mudança das expressões e dos conceitos religiosos : "É indispensável uma adaptação de nossa catequese: conceito de Deus, accessível à atual visão do mundo; conceito do homem; a natureza e a graça; sentido da história; dinamismo da Igreja...; praticamente, temos que rever tudo".
É verdade que há em textos cursilhistas a afirmação do caráter intelectivo que muitos autores atribuem ao kérigma. Mas tal afirmação é, no seu contexto, sempre confusa e insuficiente. Examinemos uma passagem característica nesse sentido: a delegação da Nicarágua ao III ELA declara que o kérigma "aspira a dar a conhecer Cristo e sua mensagem" e "se dirige à inteligência" ("Testimonio", n.° 45, p. 39). — Bem analisado, no entanto, o texto e seu contexto, vê-se que o papel da inteligência na "conversão" kerigmática não é o que pede o I Concílio do Vaticano para a fé, inicio da salvação. Para a delegação da Nicarágua, kérigma e testemunho são dois elementos inseparáveis que, em bloco, arrastam à conversão. Manifestam-se de modo vivo no pregador carismático, cuja palavra está especialmente vivificada pelo Espírito, que determina a adesão a Cristo, mediante uma assimilação vital, experimental, do que é proposto (cf. "Testimonio", n.° 45, p. 39). Não se declara aí de modo nítido, nos termos do I Concílio do Vaticano, o papel desempenhado, no ato de fé, pela inteligência — a qual deve aceitar a verdade revelada, embora tal aceitação deva ser completada pela caridade, para eficazmente salvar.
Em semelhante concepção de fé, explica-se que haja dirigentes de Cursilhos, para quem certos fatos constituem, ao lado da Escritura, da Tradição e da Liturgia, um novo lugar teológico, ou seja, uma nova fonte de conhecimento da verdade revelada. Leia-se este tópico da delegação mexicana ao III ELA: "ao longo da história humana encontramos "fatos significativos" reveladores da marcha futura da história. A ação, por exemplo, de um pequeno grupo de rebeldes parisienses, ao tomar a Bastilha em 1789, foi relativamente insignificante e semelhante a muitos outros acontecimentos da mesma índole. No entanto, tornou-se e foi de tal maneira significativo, que durante mais de um século veio a ser um autêntico símbolo da história do mundo ocidental. — Parecidos a este tem havido, e continua a haver uma multidão de acontecimentos que são definitivamente significativos na história humana: a emancipação das classes trabalhadoras, o reconhecimento do lugar da mulher na vida pública, a emancipação dos povos que estiveram ou estão submetidos a regimes coloniais, a planificação universal, a unificação do mundo, a socialização progressiva dos diversos aspectos da vida humana, desde os econômicos até os espirituais e culturais, etc. — TODOS estes fatos são "definitivos", quer dizer, não têm marcha à ré no acontecer humano. — A novidade, para a Igreja, dos "sinais dos tempos", é que estes fatos se manifestam como reveladores dos desígnios da vontade de Deus. SÃO como um NOVO LUGAR TEOLÓGICO AO LADO DA ESCRITURA, DA TRADIÇÃO E DA LITURGIA" (destaques nossos — "Testimonio", n.° 45, p. 68). — Portanto, não é a Igreja que ensina e guia o mundo; é o mundo que, nos fatos históricos "irreversíveis", revela à Igreja a vontade de Deus! — Entende-se porque há em publicações cursilhistas muita simpatia e adesão a Teilhard de Chardin. O novo lugar teológico está muito de acordo com o evolucionismo do famigerado "teólogo" jesuíta.

19) Quer nos rolhos do Secretariado Nacional de Cursilhos da Espanha, quer no "Manual de Dirigentes" de D. Hervás, a orientação do tríduo cursilhista faz-se com expressões que acentuam o fator emotivo. Demos alguns exemplos (os destaques em versalete serão nossos):

a) Terceira fase do cursilho (3.° dia). Problemas particulares deste dia: é muito freqüente alguém que esteja angustiado pela preocupação de não "sentir nada", "preocupação que às vezes se converte em tortura pelo contraste com a alegria TRANSBORDANTE dos demais [...]. Trata-se muitas vezes de pessoas piedosas [...] mas talvez de uma piedade centrada no seu eu [...]. Sua reação, portanto — será preciso adverti-las — não pode ser a mesma que a daqueles companheiros do cursilho que SE SINTAM FASCINADOS ante um Cristo ao qual não conheciam ou haviam perdido e ao qual acabam de encontrar" (D. Hervás, "Manual de Dirigentes", pp. 172-173).

b) 5.a Meditação, "Mensagem de Cristo ao cursilhista" — "E preciso fazê-lo SENTIR a voz do Mestre, que lhe diz algo EM CONCRETO [...]. É preciso dar-lhe um ar TRIUNFAL" (D. Hervás, "Manual de Dirigentes", p. 175).

c) Visita ao Santíssimo: Todos se aproximam do Sacrário; "o Reitor dirá com naturalidade, DANDO A MAIOR INTIMIDADE POSSÍVEL às suas palavras [...]" (D. Hervás, "Manual de Dirigentes", p. 261).

d) Outras normas do "Manual de Dirigentes" para durante o cursilho: Propõe-se-lhes a partir da manhã do 1.° dia o anúncio gozoso da Graça, da amizade de um Deus-Amigo, e, então, sempre dentro de um ambiente de espontaneidade, alegria, camaradagem, anedotas, etc. Assim, por exemplo, o Reitor deve cuidar que o ambiente de animação e as piadas continuem nos outros dias (p. 268). O Diretor espiritual do cursilho deve viver todos os seus momentos, desde os rolhos até os chistes (p. 282); poderá contar algum chiste, desde que tenha graça e saiba contá-lo com graça (p. 285). Nos momentos de alegria expansiva, não deve ausentar-se ou retrair-se, mas tampouco deve intervir ativamente (p. 285). — Perguntamos: que espécie de "alegria expansiva" será essa, na qual o Diretor espiritual não deve intervir ativamente?

e) Rolho "Estudo do ambiente": "Introdução. Chegamos, com a graça de Deus, a este terceiro dia do cursilho, e, como é natural, todos estamos "DE COLORES" [...]. "De Colores" é a exclamação jubilosa do cursilhista que vive em graça. Por isso [...] a dizemos continuamente [...]. Tenho a certeza de que muitos de vós, ante a realidade da alegria que estais EXPERIMENTANDO" (p. 13), desejais "contagiar a todos com a felicidade que levais dentro de vós" (p. 14).

f) Rolho "Vida em Graça" (3.° dia, antes do almoço). "Este rolho [...] supõe um ambiente de fervor, um ENTUSIASMO geral [...] responde ao problema que vai preocupando o cursilhista: como fará para não perder o estado de Graça, em que agora vive com tanta satisfação e alegria" (p. 31). "Estilo: é preciso que TENHA UM AR TRIUNFAL tudo o que se lhes [aos cursilhistas] vai dizendo e o tom com que se lhes diz" (p. 32).

g) Rolho "Seguro total": "Ambiente. Nestes momentos do cursilho, o ambiente está cálido de FERVOR E ENTUSIASMO" (p. 3). "APALPA-SE entre vós uma felicidade poucas vezes ou nunca SENTIDA" (p. 15). "Notai como se reflete o anelo de não perderdes o GOZO destes dias" (p. 16). "A parte vivencial do Rolho tem aqui sua máxima expressão, quando o Rolhista narrar alguns de seus "momentos" [em que se sentiu mais perto de Cristo] a título de exemplo" (p. 18).

h) Rolho "O cursilhista para além do cursilho": "Vós vos SENTIS tão felizes que alguém de vós, levado pelo ENTUSIASMO E ALEGRIA que está GOZANDO [...]" (p. 13).

i) Rolho "Piedade": "Este SENTIR a Cristo nos detalhes mais insignificantes de minha vida foi para mim uma das descobertas do cursilho" (p. 26). "O que está em Graça e está consciente disso, desde que se levanta até que se deita, desde o primeiro momento até o último do dia, todo o seu ser SE REGOZIJA E SE ALEGRA, por saber-se nada menos que filho de Deus" (p. 27). "Alegria [...], a única, autêntica, constante, segura, porque vai de dentro para fora, parte da amizade com Deus e ESCAPA por todos os nossos poros" (p. 36).

j) Rolho "Ação": "Atuando com Cristo e vivendo em Graça "SOB PRESSÃO". Tendo uma exuberância de Graça que TRANSBORDE POR TODOS OS POROS ao falar, no sentir, no dizer e no rir" (p. 42).

k) Rolho "Obstáculos à vida da Graça": "Conhecer a Deus é o que de maior, de mais DIVERTIDO, de mais GOZOSO pode fazer um homem" (p. 18). "Entrar nesta comunicação livre e GOZOSA com Deus que é a oração [...] (p. 27).

l) Rolho "Dirigentes": "Deus assomava a seu rosto [de um cursilhista] com tanta afabilidade, com tanta SIMPATIA [...]" (p. 21). "Por isso se conhecem tão logo os cursilhistas, porque em seu olhar SE REFLETE todo o mar de felicidade da graça de Deus que levam na alma" (p. 21).

Destacamos as expressões que melhor acentuam o tom emotivo. Tomadas isoladamente, podem algumas dessas expressões ter uma explicação legítima. O todo, no entanto, mostra como a concepção da Graça e da vida em Graça é tal, que se acentuam desproporcionadamente os elementos emotivos, com perigo de se transmitir, assim, uma idéia errônea da vida espiritual.

20) É significativo, a respeito, o seguinte texto: "Este Rolho [o penúltimo do tríduo] assinala o ponto de união do Cursilho com o Pós-cursilho; é como uma ponte solidíssima que abre largo caminho a uma gozosa perseverança [...]. O objetivo do Rolho é assegurar a continuidade do Cursilho. "Agora começa o Cursilho", dirão os professores. Terminam os três dias do Cursilho; abre-se o Cursilho perene" (rolho "Seguro total", pp. 3-4).

21) Documentos e livros que se referem ao Pós-cursilho insistem na necessidade da formação doutrinária: estudo da Bíblia, do Catecismo, etc. Essa insistência, entretanto, não atenua as objeções de que é passível o Pós-cursilho em razão de seu caráter vivencial. Aliás, analogamente, os cursilhos se orientam na mesma linha "vivencial", que como vimos merece sérias reservas, embora também neles se recomende o estudo doutrinário como "imprescindível, não só para nos aprofundarmos em nosso cristianismo, senão também para realizarmos uma ação apostólica que seja realmente eficaz" (rolho "Estudo", p. 19).

22) Note-se que essa doutrina é chamada de "tradicional" por já ser clássica em Cursilhos. Note-se também o emprego da palavra "convivência" nesse texto: é ela usada aí — e também em outros escritos cursilhistas — como sinônimo de "Encontro".

23) Como já notamos, os rolhos que, utilizamos nesta Pastoral são sempre os do Secretariado Nacional de Cursilhos da Espanha (Madrid, 1968).

24) Em publicações cursilhistas é comum a apresentação da vida cristã como algo alegre, gozoso. Em contrapartida, minimaliza-se a vigilância contra o perigo de pecar. A já citada contribuição da Nicarágua ao III ELA corrobora semelhante minimalização ao condenar "a apresentação de um Cristianismo que consistia em não pecar" ("Testimonio", n.° 45, p. 38). O mesmo pensamento pode ver-se em Sebastián Gayá Riera, "Reflexões...", p. 55: "Mais do que vivermos sob o pavor das ocasiões de pecado e dos inimigos da alma [...]".
É preciso, sem dúvida, não esquecer que o Cristianismo é vida, mas, como diz São Paulo (2 Cor. 4, 7), é uma vida que guardamos em vaso frágil. Daí a necessidade da vigilância continua, segundo o conselho de São Pedro (1, 5, 8-9), contra o demônio, que "como leão furioso está à espreita para nos devorar". O conselho de Jesus Cristo é no mesmo sentido: "Vigiai e orai para que não caiais em tentação" (Mat. 26, 41).
A mesma minimalização ressuma da censura contínua ao "moralismo", ao "cristianismo de cumprimento de preceitos", ao qual se oporia o cristianismo do amor, pois é o amor que há de vivificar os atos do cristão. Conceitos tais podem ver-se no livro citado do Pe. Comblin, "A Fé no Evangelho" (obra recomendada por "Alavanca", órgão oficial do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil p. 31). — Tal maneira de agir está na linha do abrandamento do senso do pecado, lamentado por Pio XII como uma das chagas do mundo hodierno, e esquece a palavra de Jesus Cristo que, no cumprimento dos Mandamentos, via a prova do amor: "Si diligitis me, mandata mea servate" (Jo. 14, 15). De onde, no cumprimento dos Mandamentos temos o amor de Deus. Nada mais belo do que "o cristianismo de cumprimento de preceitos".

25) Também se lêem artigos que, tratando da penitência, não a restringem ao cumprimento do dever, em outros números de "Alavanca", como o n.° 54, de março de 1971, p. 13. No entanto, à p. 7 deste mesmo n.° 54 da revista, encontra-se outro artigo que expõe uma noção de penitência absolutamente oposta à tradicional.

26) Censurando, por seu turno, "a santidade tristonha" (leia-se: séria), "Reflexões...", de Sebastián Gayá Riera, às pp. 98-99, elogia a explosão de alegria desbragada, ou seja, sem medida, desordenada: "Cumpre sermos impulsiva a desbragadamente alegres. Com alegria sã, "contagiosa", até ruidosa se às vezes for preciso [...]. Fulano [...] é um "tio" estupendo, tem fábrica de anedotas e a gente se escangalha de rir ao seu lado...".

27) Eis a nota da revista, na última coluna da página 4: "PALAVRÕES, NÃO! / A circular do SNCC, recebida pelo nosso Secretariado, recomenda uma observância rigorosa ao "palavreado dos ralhos". O Presidente pede que se insista junto às Escolas de Dirigentes para que os "palavrões" sejam abolidos definitivamente, pois nunca fizeram parte do método de Cursilho".

28) A concepção igualitária da Igreja, povo de Deus, onde a dignidade de todos é uma só, havendo diversidade apenas de funções, tornou-se idéia comum no III ELA. Foi objeto do trabalho apresentado pelo México, trabalho que sob esse ponto de vista mereceu especial recomendação do III ELA ("Alavanca", n.° 67, p. 33). Na contribuição do México ("Testimonio", n.° 45, pp. 59 ss.):

a) censura-se a concepção, que "durou tantos séculos" (p. 63) e se acha no ensinamento de Leão XIII, repetido por São Pio X (Encíclica "Vehementer"), segundo a qual o leigo é aquele que obedece na Igreja ao Clero e o honra (p. 62);

b) declara-se inadequada a posição firmada por Pio XI, que ao leigo atribuía uma participação no apostolado hierárquico (p. 63);

c) declara-se, outrossim, que todos, "sacerdotes, bispos, religiosos" e leigos "participam de uma mesma missão comum: [...] se bem que, naturalmente, cada um deva exercê-la com funções e modalidades distintas" (p. 63); assim, "de um modo que lhes é próprio, os leigos são igualmente responsáveis pela Igreja mesma, embora seja verdade que há uma diferença funcional entre clero e laicato" (p. 64);

d) diz-se ainda que "fica inteiramente superada" a idéia de que os leigos são membros da Igreja subordinados aos clérigos (p. 64), e se conclui: "o diálogo e a discussão dos problemas eclesiais com o laicato na Igreja é já um fato fundamental que por direito compete aos leigos" (p. 64);

e) declara-se, além disso, que devem os leigos, em certo sentido, participar do governo da Igreja (p. 65).

Tomados estes pontos em seu conjunto, fixa-se a idéia de que a diversidade existente entre Hierarquia e povo, na Igreja, é apenas de função e não de dignidade. Não admira que o trabalho do Equador e Peru apresentado ao III ELA tenha reafirmado taxativamente a igualdade radical do povo de Deus, declarando legítima só a diversidade de funções e carismas ("Testimonio", n.° 45, "Adendum", p. XVI). E que tenha mesmo levado tal concepção à sua conseqüência natural, negando à Hierarquia o papel de intermediária entre Deus e os homens, segundo ensina a Tradição, depois de São Paulo (Heb. 5, 1): pro hominibus constituitur sacerdos: "a hierarquia não é nenhum intermediário da Comunidade junto ao Padre, senão que faz que através de seu serviço ministerial, se dê o encontro pessoal da comunidade com o Senhor" ("Testimonio", n.o 45, "Adendum", p. VI).
Freqüentemente apelam os autores da opinião que aqui censuramos, à Constituição "Lumen Gentium", n.° 32, que afirma uma igual dignidade de todos os cristãos. A mesma Constituição consigna a distinção de funções (doutor-discípulo, pastor-ovelha), que pela ordem natural supõe urna dignidade maior no mestre e no pastor do que no discípulo e na ovelha. Ademais, aos textos referidos juntam-se outros da própria "Lumen Gentium", como o seguinte: "O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico se ordenam um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas com grau" (n.° 10). É explicável que os teólogos procurem determinar o justo teor de tais afirmações. — Não está nos limites desta Carta Pastoral solucionar este problema. Entretanto, seja qual for a posição que perante ele se tome, nenhum católico genuíno pode aceitar as conclusões que da "Lumen Gentium" tiram — ora explícita, ora implicitamente — certos documentos cursilhistas. Por exemplo, jamais um verdadeiro católico deixará de reconhecer, no citado princípio que Leão XIII e São Pio X (Encíclica "Vehementer") enunciam, a expressão autêntica da doutrina que a Igreja sempre ensinou e ensinará até o fim dos séculos.
Encerramos esta nota observando que São Pio X, uma das cousas que condenava no "Sillon" era, precisamente, o nivelamento entre Sacerdotes e leigos nas reuniões que promoviam: "A camaradagem mais absoluta reina entre os membros [...] Mesmo o Padre, quando nele ingressa, abaixa a eminente dignidade de seu sacerdócio e, pela mais estranha inversão de papéis, se faz aluno, se põe no nível de seus jovens amigos e não é mais do que um camarada" (Carta Apostólica "Notre Charge Apostolique", de 25 de agosto de 1910; AAS, 2, p. 621).

29) Em "Interrogantes y Problemas...", pp. 376-377, D. Hervás escreve; "nos cursilhos de Cristandade há vivências, no sentido em que os psicólogos e pedagogos usam esse termo, mas não há sugestão. Pois neles se pratica precisamente o contrário do que pode ser causa de sugestão, quer sob o ponto de vista da exposição das idéias [...], quer quanto ao "prestígio da autoridade", pois os Sacerdotes e os leigos dirigentes põem-se num plano de total igualdade com seus companheiros, até chegar ao detalhe de nem sequer ocupar lugar preferencial na capela, nem na sala onde se lhes fala, e nem mesmo nos lugares que ocupam no refeitório".

30. O que acabamos de afirmar, sabemos por testemunhos de vários cursilhistas. Que seja parte do programa de Cursilhos, aparece, por exemplo, nesta afirmação de "Alavanca", órgão de Cursilhos do Brasil, n.° 66, 1972, p. 13: "Os cursilhistas não executam nenhum trabalho. Levantam-se e saem para as primeiras orações do dia. Quando voltam, as camas estão arrumadas, o café servido, as privadas limpas. Não se vê ninguém nos corredores. Só no último dia os "serviçais" aparecem. São antigos cursilhistas que vão fazer o trabalho para seus irmãos. Numa das turmas, um cirurgião famoso, assistente do professor Zerbini, trabalhava na cozinha. Ninguém se sente diminuído; pelo contrário, parecem executar o trabalho com a maior alegria".
Nada há de mau em que superiores executem trabalhos mais humildes. O censurável é que isso se faça num ambiente nivelador e com conotações igualitárias. O que não se dá sem detrimento da autoridade e do papel dirigente que têm certas classes sociais, como salientou várias vezes Pio XII (cf. "Por um Cristianismo Autêntico", pp. 153, 171-175).
No mesmo sentido nivelador corre o fato contado por um Padre que foi ao cursilho, de batina. Foi ele interpelado por usar traje talar, e o censuraram declarando que "a batina atrapalhava", isto é, marcava uma distinção que não estava de acordo com o ambiente próprio de Cursilhos (releia-se, a esse respeito, o texto de São Pio X sobre "Le Sillon", que reproduzimos no tópico número 31, nota 6).

31) Está dentro da mesma mentalidade, quanto ao tratamento igualitário e proletarizante dado a Nosso Senhor Jesus Cristo, o artigo "Meu papo com Cristo", publicado em "Alavanca", n.° 63, 1972, pp. 20-21. Leiam-se por exemplo os textos seguintes:
"Hoje quero bater aquele papo com Cristo. Mas um papo que não exija "cuca", que não exija esforço maior do que o descanso absoluto que espero encontrar, hoje e sempre, na minha própria fé Nele.
Cristo está aqui ao meu lado, sentado na minha cama. Sua figura me agrada logo: "super-prá frente", calça lee azul marinho e túnica azul clara. Nos pés, um par de tênis também azul e, ao redor do pescoço, uma corrente dourada onde vejo pendurada uma cruz. Da cabeça saltam, pacificamente, cabelos claros e lisos que vão até os ombros. Como o meu Cristo é bárbaro! [...] Começo a falar.
Olha, Cristo, fiz um montão de descobertas ultimamente, e a maior de todas foi esta: amo Você [...]. Você precisa ver a minha alegria ao perceber que o meu "pecadão" se torna um "pedacinho" diante da potência de perdão que Você é. E o que eu acho mais fabuloso nisso é que Você não exige que a gente peça perdão: pelo arrependimento, basta a gente sentir que errou e já se sente, também, aceito por Você".
No "Guia do Coordenador" (edição do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, 1971, pp. 40 e 50), Nosso Senhor é igualmente tratado de "Você".

32) Mesma observação se aplica aos conceitos emitidos pelo Pe. Augustinovich em "Vivencia de la lglesia Comunidad", pp. 72 e 88-89, quando invectiva a dependência econômica dos povos subdesenvolvidos, censura as atuais estruturas, e, prevenindo embora a objeção, não declara qual a estrutura justa que preconizaria para substituir as existentes.

33) No mesmo sentido de mudança total das estruturas, preconizada por cursilhistas, veja-se o Pe. Augustinovich, "Vivencia de la Iglesia Comunidad", pp. 18, 63, 68. — E Sebastián Gayá Riera, em "Reflexões para Cursilhistas de Cristandade" (Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil, São Paulo, 1970, p. 180), escreve: "Cumpre chegar com tino, mesura e sem violência, às transformações MAIS RADICAIS, até que seja realidade o destino comum dos bens" (o destaque em versalete é nosso).

34) Na revista do Secretariado Nacional de Cursilhos da Venezuela, o Pe. Augustinovich encampa a mesma doutrina censurada por São Pio X. Declara, de fato, que a Igreja tende a uma "co-responsabilidade universal de todo o povo de Deus", de maneira que não há obediência onde há mera execução de mandamento superior, porquanto a obediência deve proceder de "uma entrega espontânea por íntima convicção", pois hoje o mundo "já não aceita mais a autoridade pelo simples fato de ser autoridade" (artigo "El pequeño mundo inseguro - Ciertos desniveles", em "Trípode", n.° 92, maio de 1972, p. 11).

35) "Os cursilhistas [...] devem participar dessa vida comunitária através da vida de grupo (decúria); através da comunicação com a comunidade testemunhal da equipe de dirigentes (trabalho de corredor) e através da integração efetiva nos vários atos de piedade e ação que se realizam durante o Cursilho" (II Encontro Mundial, relação de Portugal, em "Temas do II Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos de Cursilhos de Cristandade do Brasil", p. 48).

36) "A visão comunitária sempre foi algo peculiar ao Movimento de Cursilhos de Cristandade" (conclusão final do II Encontro Mundial de Delegados. Nacionais de Cursilhos de Cristandade, citada em "II EB", p. 50).

37) Veja-se "II EB", p. 50. O mesmo princípio é exposto no trabalho da Colômbia apresentado ao II Encontro Mundial de Delegados Nacionais de Cursilhos: ali se declara, com efeito, que "não se pode insistir na conversão individual, desligando-a da conversão comunitária"; e se cita a seguinte passagem de Gustavo Gutierrez: "esta visão atenta a valores estruturais, ajudará os cristãos a não cair na falácia de propugnar uma mudança pessoal desvertebrada de condicionamentos concretos, como etapa necessariamente prévia a toda transformação social. Aqueles que se empenham nessa atitude em nome de um vago humanismo e de um espiritualismo desencarnado, só conseguirão ser cúmplices de uma postergação indefinida das mudanças necessárias e urgentes. Isto supõe que se atue simultaneamente sobre as pessoas e as estruturas, posto que elas se condicionam mutuamente" ("Encontro Mundial..., Temas do 3.° Dia". p. 56). — Logicamente, diríamos, daí se deduziria que não é o homem que influi na sociedade por sua adesão à verdade e ao bem; é a sociedade que o faz reto e bom. Ou, quando muito, ambas as coisas são simultâneas, de maneira que a própria retidão do homem está condicionada ao meio social.
À mesma conclusão se chega, quando se observa em que sentido falam Cursilhos de vocação pessoal do fiel. Porquanto, tal vocação pessoal está subordinada à comunidade, pois é nesta e em favor desta que deve realizar-se a vocação pessoal: "O Cursilho de Cristandade deve ajudar os participantes a descobrirem a sua vocação pessoal, para realizá-la em comunidade e EM FAVOR da comunidade (humana e eclesial)" ("Documento de Itaici", em "Alavanca", n.° 67, p. 30 — o destaque em versalete é nosso).
No mesmo sentido soa a passagem seguinte do "Documento de Itaici", a qual reproduz quase ipsis litteris um tópico da contribuição da Colômbia ao III ELA: "o Movimento deve caminhar decididamente no sentido de que as Ultreyas e as Reuniões de Grupo sejam verdadeiras comunidades cristãs. Porque só a comunidade cristã é o clima onde um cristão pode passar de uma fé infantil a uma fé adulta, de uma fé individual a uma fé comunitária" ("Alavanca", n.° 67, p. 34 — destaque nosso. Cf. "Testimonio", n.° 45, p. 94). — Entre parêntesis, o que se entenderia por "fé comunitária?" Estaríamos diante de um ressurgimento do averroísmo, com a unidade do intelecto agente, de maneira que fosse possível um ato intelectual emitido por uma faculdade não já individual, mas de toda a comunidade?
Uma tal concepção comunitária da vida, aceita-a a delegação do México ao mesmo III ELA, uma vez que julga "a planificação universal, a unificação do mundo, a socialização progressiva dos diversos aspectos da vida humana, desde os econômicos até os espirituais e culturais, etc.", como fatos "definitivos", "isto é, que não têm marcha à ré no acontecer humano" ("Testimonio", n.° 45, p. 68).

38) Semelhante simpatia se mostra de vários modos. Por exemplo, o Pe. Augustinovich, no seu livro "Vivencia de la Iglesia Comunidad", faz crer que a trilogia hegeliana e marxista, "tese-antítese-síntese", é do patrimônio católico (pp. 112-113). Na mesma ordem de idéias, à p. 143, pede uma convergência doutrinária no diálogo com marxistas. Item, mesma idéia subjacente à p. 159: "Bem-vindo o diálogo com os marxistas e com os ateus, porém com a condição de que não se converta em SIMPLES SINCRETISMO" (O destaque em versalete é nosso). — Porque o simples sincretismo é indesejável? O contexto da obra torna claro que o é pelo fato de que no sincretismo não se chega a superar as divergências, o que só é possível através de um diálogo que conduza a uma síntese superior. Se assim é, como não achar incompleta a verdade revelada, o depósito da Revelação confiado à Igreja Católica?

39) Semelhante tendência surge, aqui e acolá, em publicações cursilhistas. Veja-se, por exemplo, como o Pe. Augustinovich, em "Vivencia de la Iglesia Comunidad", p. 89, critica o capitalismo e o socialismo: "Nem tudo é mau no Capitalismo, nem tudo é bom no Socialismo". — Ou seja: o capitalismo é mau, mas tem algo de bom; ao passo que o socialismo é, na sua maior parte, bom, tem porém algo de mau. Pio XI ensinava outra doutrina, isto é, que o pouco de verdade que há no socialismo — como se pode descobrir em qualquer erro — não é suficiente para justificá-lo, pois pela sua concepção fundamental é ele oposto diametralmente ao Catolicismo, uma vez que "se funda numa concepção própria da sociedade humana, oposta à verdadeira doutrina cristã. Socialismo religioso, socialismo cristão são termos contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista" (AAS, 23, p. 216).
É ainda a simpatia pelo marxismo que ressuma à p. 91 do citado livro, onde se elogia a colaboração da Hierarquia com um governo comunista qual o do Chile. Outra vez, estamos diante de doutrina nova, com relação à ensinada por Pio XI na "Divini Redemptoris": "Intrinsecamente mau é o comunismo, e não se pode admitir, em campo algum, a colaboração recíproca por parte de quem quer que pretenda salvar a civilização cristã. E se alguém, induzido em erro, cooperasse para a vitória do comunismo em seu país, seria o primeiro a cair como vítima do próprio erro" (AAS, 29, p. 96).

40) Duas observações que se completam, no sentido de indicar a orientação dada na formação cursilhista:

a) É freqüente, no órgão oficial do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil, "Alavanca", proporem-se obras de autores cujas idéias vêm envoltas em expressões ambíguas, quando não taxativamente destoantes da Tradição católica. Além do exemplo, comentado acima, do livro de Louise Rinser, o número 65 de "Alavanca" recomenda, na secção de A. M. Cantatore, "A Redescoberta do Homem", do famigerado IDO-C, que contém o "Dossier Teilhard de Chardin"; item, "Viva Jovem!", de Marcelle Auclair, com uma visão naturalista da vida; item, "A Fé no Evangelho", do Pe. Comblin, cuja noção de fé já comentamos, e que tem, além disso, outras expressões igualmente inquietantes como esta, em que, ao lado de "soldados inimigos", enumera-se a prostituição como condição de vida aceitável: "Jesus não condena os homens pelas situações em que foram colocados: publicanos, soldados inimigos, prostitutas; não julga ninguém por sua condição" ("A Fé no Evangelho", p. 32), ou estoutra: "tanto a teologia de São Paulo COMO a de São João construíram A SUA interpretação do FENÔMENO "JESUS" a partir das especulações do Antigo Testamento sobre a sabedoria. Jesus tornou-se A SEUS OLHOS a encarnação da própria "sabedoria" de Deus" (p. 22 — o destaque em versalete é nosso). — Um modernista não teria outra linguagem. Para ele, como para o Pe. Comblin, Jesus é a "sabedoria de Deus", não objetivamente para Anjos e homens; mas apenas subjetivamente, para aqueles que, como São Paulo e São João, assim o concebem! — Esta observação recebe nova luz ao lado da que segue:

b) Aos cursilhistas é dada a norma de não lerem senão os livros melhores: "Não terás tempo para ler tudo. Nem te faz falta. Precisamente por isso deves ler o melhor" (Sebastián Gayá Riera, "Reflexões para Cursilhistas de Cristandade", p. 81; cf. também D. João Hervás, "Los Cursillos de Cristiandad, Instrumento de Renovación Cristiana", pp. 355-356). Face a tal norma, é forçoso concluir que a revista oficial de Cursilhos do Brasil só recomenda os livros melhores. Em outras palavras: através dos livros apresentados pela revista, pode-se deduzir qual a orientação doutrinária de Cursilhos.

41) Eis, na íntegra, o texto referido:
"Sabem muito bem nossos sacerdotes dirigentes que em nossos cursilhos não se explicou jamais a Graça com a rigorosa e fria atitude acadêmica das aulas teológicas, mas sim proclamando kerigmaticamente a liberalidade de Deus, que nos chamava em Cristo a participar da vida divina. Sem embargo, em 1949 e na década seguinte, eram outros os tempos, e era preciso fazer apologética da ortodoxia dos Cursilhos citando em nossas publicações só ou prevalentemente os autores e textos tradicionalmente admitidos por todos; Por isso, os profanos creram às vezes que no Cursilho se explicava a Graça segundo as noções e distinções frias e abstratas — se bem que sempre válidas — dos manuais de Teologia em curso; que explicávamos o dom de Deus como se fosse uma cousa e não uma vida; que nossa doutrina sacramental levava ao sacramentalismo e não ao encontro pessoal com Cristo. Não podíamos perder tempo dando extensas respostas a todos, se bem que alguns poderiam ter-nos pedido explicação antes de lançar opiniões inexatas e aventureiras. Tudo isto é verdade.
Mas passou-se algo de transcendental na vida da Igreja: o Concílio Vaticano II dava carta de cidadania a uma visão mais cristocêntrica da Eclesiologia, à proclamação do Kérigma, à renovação da liturgia" (rolho "Meditações", p. 5).

42) Alocução ao Seminário Lombardo, em 7 de dezembro de 1968, em "L'Osservatore Romano", de 8 de dezembro de 1968.

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